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Artigos

O que é e para que serve a matemática do ensino médio?, por Ilydio Pereira de Sá

Ano 8, n. 22, 2015

Autor: Ilydio Pereira de Sá

Sobre o autor: Ilydio Pereira de Sá é professor adjunto e atual subchefe do Departamento de Matemática e Desenho do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CAp-UERJ). Doutor em Educação Matemática, é autor de livros na área e líder do Grupo de Pesquisa em Educação Matemática do CAp/UERJ.

Publicado em: 21/08/2015

A matemática não é apenas outra linguagem: é uma linguagem mais o raciocínio; é uma linguagem mais a lógica; é um instrumento para raciocinar.
Richard P. Feynman (físico norte-americano, 1918-1988)

Os mais remotos registros matemáticos conhecidos datam de, aproximadamente, 2400 a.C. Antigas tribos conheciam apenas UM, DOIS e MUITOS. Como ciência no sentido atual, a matemática emergiu somente na Grécia, por volta dos séculos V e VI a.C. Situações que foram se apresentando cotidianamente, como as decorrentes de contagens e medições, foram contribuindo para que o conhecimento matemático fosse sendo construído pelas civilizações.

No livro O que é matemática?, cuja primeira edição data de 1941, Richard Courant e Hebert Robbins afirmam que todo o desenvolvimento da matemática tem suas raízes psicológicas em exigências práticas. No entanto, uma vez que o processo tenha sido desencadeado pela pressão das aplicações práticas, passa a ganhar impulso por si só, transcendendo o universo do utilitarismo.

Diversos autores e dicionários, em todos os tempos, têm tentado definir a matemática, mas acreditamos que nenhuma definição consegue abarcar toda a amplitude e presença da matemática no universo. Encontramos definições ou tentativas de definições, como estas:

Ciência que investiga relações entre entidades definidas abstrata e logicamente.

Ciência que lida com relações e simbolismos de número e grandezas e que inclui operações quantitativas e soluções de problemas quantitativos.

Ciência que estuda objetos abstratos (números, figuras e funções) e as relações entre eles, procedendo por método dedutivo.

Matemática é simplesmente o estudo de estruturas abstratas ou padrões formais de associação.

O professor Júlio César de Mello e Souza, o mundialmente conhecido como Malba Tahan, autor de 120 livros, entre eles o famoso O homem que calculava, defendia que a matemática, muito mais do que ser definida, deve ser percebida, admirada, entendida, vivenciada. Leonard Mlodinow, no livro A janela de Euclides, declara que a matemática abre janelas pelas quais vemos um mundo cada vez mais complexo e belo.

Pensamos da mesma forma que esses autores. Consideramos que, muito mais importante do que definições e visões pessoais acerca do que seja a matemática ou as “matemáticas”, é fundamental 1º) que o conhecimento matemático acumulado ao longo dos séculos, e que está à disposição da humanidade, seja vivenciado de forma interessante, lúdica, contextualizada e significativa e 2º) que esta proposta de ensino da matemática ocorra na escola básica e nos cursos de licenciatura em matemática.


Calvin e Haroldo, de Bill Watterson.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN Ensino Médio, MEC, 2000), os objetivos educacionais para o processo de ensino e aprendizagem nas escolas devem focar competências de representação e comunicação, investigação, compreensão e contextualização sociocultural. Logo, todos os objetivos que serão comentados aqui devem considerar que a Matemática não é uma ciência isolada, fora de qualquer contexto e ou que faça parte de um “mundo irreal”. Deve-se considerar seu caráter interdisciplinar em qualquer que seja o nível e modalidade de ensino. As Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Matemática, Bacharelado e Licenciatura (MEC, 2001) já acenavam que o futuro professor de matemática deveria estar apto para desenvolver estratégias de ensino que favoreçam a criatividade, a autonomia e a flexibilidade do pensamento matemático dos educandos, buscando trabalhar com mais ênfase os conceitos do que as técnicas, fórmulas e algoritmos.

Parece-nos que esse talvez seja um dos principais objetivos do ensino de matemática na escola básica como um todo e, especificamente, no ensino médio: desenvolver estratégias de ensino que favoreçam a criatividade e a autonomia. Como orientador de estágios supervisionados e de pesquisas sobre o ensino de matemática, o que temos constatado é exatamente o oposto: ainda há um foco muito grande nas técnicas operatórias, em algoritmos e fórmulas que os alunos “decoram”, devolvem nas avaliações escolares e esquecem no dia seguinte.

Boas práticas e boas iniciativas existem, mas ainda há grande resistência para práticas que valorizem a autonomia e a criatividade dos estudantes. Como exemplo, podemos citar a proibição do uso de calculadoras nas salas de aula e nas avaliações. Como argumentos, professores defendem que os estudantes não poderão usar essas ferramentas nos concursos e exames vestibulares. Mas o fato é que estes instrumentos de avaliação já mudaram há muito tempo. Vejam-se o ENEM e os principais vestibulares, como o da UERJ, que privilegiam questões interdisciplinares, contextualizadas, investigativas, estando os cálculos e fórmulas vinculados a esse perfil. Essas avaliações e exames prestam grande contribuição ao acenarem para os professores de matemática que os tempos são outros e que, antes de prepararmos um aluno para realizar uma prova ou concurso, precisamos prepará-lo para a vida e para que seja um cidadão crítico, autônomo e criativo. Cabe ressaltar ainda outro objetivo importante do ensino da matemática no ensino médio: tratar a disciplina como ferramenta que possa gerar boas perguntas, coordenar ideias, permitir dúvidas construtivas, dar consistência para hipóteses e argumentos e fornecer subsídios auxiliares para a interpretação da realidade. A matemática, assim como a música, a filosofia e a poesia, nessa perspectiva de construção da cidadania crítica, favorece a criatividade, pois fomenta a sensibilidade estética, agindo como um instrumento de emancipação. Como nos lembram os PCN:

Em um mundo onde as necessidades sociais, culturais e profissionais ganham novos contornos, todas as áreas requerem alguma competência em matemática, e a possibilidade de compreender conceitos e procedimentos matemáticos é necessária tanto para tirar conclusões e fazer argumentações, quanto para o cidadão agir como consumidor prudente ou tomar decisões em sua vida pessoal e profissional.

 

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