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Ano 12, n. 32, 2019
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Os riscos da radioatividade, por Fábio Merçon

Ano 7, n. 20, 2014

Autor: Fábio Merçon

Sobre o autor: Fábio Merçon é professor associado do Instituto de Química da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IQ-UERJ). Engenheiro químico e licenciado em química pela UERJ, mestre e doutor em Engenharia Química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tem experiência nas áreas de ensino de química, química ambiental e processos com membranas.

Publicado em: 14/09/2014

A descoberta da radioatividade levou ao desenvolvimento de diversas aplicações que trouxeram importantes contribuições para nossa sociedade. Essas aplicações englobam a obtenção de energia elétrica nas usinas nucleares e o uso de radioisótopos na medicina, agricultura e indústrias. Lamentavelmente, nem sempre as descobertas científicas são totalmente revertidas em benefícios à sociedade. No caso da radioatividade, o conhecimento científico também foi usado no desenvolvimento de armamentos nucleares. Contraditoriamente, energia liberada em uma reação nuclear pode tanto iluminar uma cidade como “apagá-la” do mapa.

Radioatividade e energia nuclear

A radioatividade foi descoberta em 1896 pelo cientista francês Henri Becquerel, ao observar que sais de urânio emitiam um tipo de radiação que impressionava chapas fotográficas. No início do século XX, esse tipo de radiação, batizada como radioatividade, foi alvo de estudos de diferentes cientistas, os quais levaram à elucidação de sua origem e propriedades.

A radioatividade consiste na emissão de partículas ou de radiação eletromagnética por núcleos de átomos instáveis, também chamados radioativos ou radioisótopos. Esses átomos se caracterizam por apresentar em sua estrutura nuclear um desequilíbrio entre os números de prótons e nêutrons. A emissão de radioatividade se dá para que o átomo alcance uma configuração nuclear estável. Os três principais tipos de emissão radioativa são: partículas alfa, partículas beta e raios gama. O processo de emissão radioativa envolve reações químicas que ocorrem nos núcleos dos átomos, por isso são chamadas reações nucleares – distintas das reações químicas, que ocorrem apenas por transferência de elétrons. As reações nucleares liberam uma quantidade de energia muito maior do que as reações químicas.

A fissão do urânio

Dentre as diversas reações nucleares conhecidas, a mais importante é a fissão do urânio, representada a seguir. O termo fissão indica que há quebra do átomo de urânio em átomos menores.


A fissão do urânio foi descoberta em 1939 (mesmo ano que marcou o início da Segunda Guerra Mundial) pelos cientistas alemães Otto Hahn e Fritz Strassmann e pela cientista austríaca Lise Meitner. O receio de que os alemães viessem a usar a energia obtida na fissão do urânio para a construção de armas nucleares levou à criação do Projeto Manhattan nos Estados Unidos, que envolveu cientistas, engenheiros e técnicos de diferentes nacionalidades e culminou na construção das bombas atômicas.

No início de agosto de 1945, duas cidades japonesas foram devastadas com a explosão de duas bombas atômicas: 80.000 e 40.000 mortes em Hiroxima e Nagasaki, respectivamente. Estes números indicam as vítimas diretas das explosões, não contabilizando os que vieram a falecer dos males decorrentes da radiação. A explosão de uma bomba atômica acarreta a formação de uma gigantesca nuvem com a forma semelhante a de um cogumelo, conforme se observa na figura 1. Desde as primeiras explosões, essa imagem passou a representar destruição e mortes.


Figura 1 – Nuvem em forma de cogumelo resultante da explosão da bomba atômica em Nagasaki
(Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Bombardeamentos_de_Hiroshima_e_Nagasaki. Acesso em: fevereiro de 2014.)

As usinas nucleares

O uso controlado da energia liberada na fissão do urânio levou à criação das usinas nucleares, que produzem energia elétrica a partir da energia obtida em uma reação nuclear. Essas usinas surgiram como uma fonte alternativa de energia: pelo fato de não usarem combustíveis fósseis, não há emissão de gases poluidores para a atmosfera, o que as configura como uma fonte limpa de energia. No entanto, para garantir o controle da reação nuclear, uma usina nuclear demanda altos custos de construção e manutenção, principalmente para evitar riscos de acidentes e contaminação da área externa com material radioativo.

Apesar dos investimentos em segurança, ao longo das últimas décadas acidentes em usinas nucleares vêm alarmando a população em geral sobre os riscos associados a esta fonte de energia. Dentre esses acidentes, três merecem destaque. O primeiro ocorreu em 1979 na Central Nuclear de Three-Mile Island, nos Estados Unidos. Nesta usina, uma falha no sistema de refrigeração fez com que gases radioativos fossem liberados, misturando-se à atmosfera e espalhando-se por um raio de alguns quilômetros ao redor da usina. Felizmente, a rápida evacuação da população ao redor da usina evitou a ocorrência de vítimas fatais.

O pior acidente do século XX ocorreu em 1986 na Central Nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, ainda na antiga U.R.S.S. Um incêndio no núcleo de um dos reatores nucleares acarretou explosão e liberação de grande quantidade de material radioativo na atmosfera. Os danos do acidente não ficaram restritos apenas a uma cidade ou a um país. O material radioativo se misturou na atmosfera e foi levado pelo vento para diversos países europeus. Na figura 2, é apresentada uma foto da usina nuclear de Chernobyl após o acidente. Estima-se que os números relacionados ao acidente sejam de cerca de 5000 mortes e 5 milhões de pessoas afetadas por exposição à nuvem radioativa em toda a Europa.

O terceiro acidente nuclear de grande impacto ocorreu há poucos anos na Central Nuclear de Fukushima, no Japão. Em 11 de março de 2011, um terremoto seguido de um tsunami afetaram o sistema de segurança desta central, acarretando incêndios, explosões e consequente vazamento de material nuclear. Enquanto os acidentes de Three-Mile Island e de Chernobyl têm como causas falhas mecânicas e até humanas, o acidente de Fukushima foi decorrente de uma catástrofe natural, em que as forças da natureza não foram suficientes para derrubar os reatores nucleares, mas a inundação acabou por desligar os sistemas de resfriamento de seus núcleos, levando-os a um superaquecimento.

Esses acidentes tiveram grande impacto sobre a opinião pública. Muitos países reviram seus programas nucleares, normas de segurança foram aperfeiçoadas, usinas foram fechadas e planos de expansão e inauguração de novas usinas foram cancelados. Com o intuito de comparar e classificar os diferentes acidentes radioativos, a Agência Internacional de Energia Atômica criou a Escala Internacional de Acidentes Nucleares e Radiológicos. Nessa escala, os acidentes são classificados de 1 a 7 em ordem crescente de gravidade, sendo que o nível 7 é atribuído aos de piores consequências. Até hoje, apenas os acidentes de Chernobyl e de Fukushima foram classificados com nível 7.


Figura 2 – Usina nuclear de Chernobyl após a explosão do reator nuclear
(Fonte: http://www.boston.com/bigpicture/2011/04/chernobyl_disaster_25th_annive.html. Acesso em: fevereiro de 2014.)

Os acidentes radiológicos

Os acidentes com material radioativo são classificados em dois tipos. Aqueles que ocorrem em reatores nucleares, sejam de pesquisa ou de geração de energia, são denominados acidentes nucleares; os acidentes que ocorrem em decorrência do manuseio de qualquer material radioativo são denominados acidentes radiológicos. Este segundo tipo de acidente está associado aos hospitais e laboratórios que utilizam radioisótopos em aplicações medicinais, como no caso de exames e tratamentos radioterápicos.

O mais grave acidente radiológico aconteceu no Brasil. Em 1987, em um hospital desativado na cidade de Goiânia, dois catadores de lixo encontraram uma cápsula utilizada em tratamento de radioterapia. No interior da cápsula, estavam armazenados cerca de 20 gramas do radioisótopo césio-137, na forma de um pó branco do sal cloreto de césio. Ao romper a blindagem protetora de chumbo que revestia a cápsula, o material radioativo foi exposto ao ambiente dando início à contaminação. Diversas pessoas, fascinadas com o brilho azulado do pó contendo césio-137, tiveram contato com o material. Algumas pessoas chegaram a passar o pó na pele. Com o tempo, além de pessoas, solo, casas, animais e plantas foram contaminados.

A primeira vítima fatal do césio-137 foi a menina Leide das Neves Ferreira que, na inocência de seus seis anos de idade, ingeriu quantidades significativas de césio-137 e se tornou o maior registro de fonte humana de radiação no mundo. De acordo com os dados oficiais, além de Leide, apenas outras três pessoas vieram a falecer devido à contaminação. De acordo com a Associação das Vítimas do Césio 137 (AVCésio), em função da contaminação radioativa, até 2012, foram contabilizadas 104 mortes e cerca de 1600 pessoas afetadas de forma direta.

Em comparação com os acidentes nucleares, nos acidentes radiológicos, a quantidade de material radioativo exposto é menor, o que reduz os danos causados. Entretanto, o número de vítimas se torna significativo, pois esses acidentes geralmente ocorrem em hospitais e clínicas localizados em áreas urbanas. Dentre os acidentes radiológicos, o de Goiânia foi o que alcançou maior intensidade, sendo classificado com nível 5 na Escala Internacional de Acidentes Nucleares e Radiológicos.

Consequências e reflexões

Por mais lamentáveis que tenham sido tais acidentes, eles impuseram a necessidade de reflexão sobre as consequências da utilização dessa fonte de energia. Os acidentes nucleares de Three-Mile Island, Chernobyl e Fukushima provocaram impactos importantes nos Estados Unidos, na Europa e no Japão. Normas e procedimentos de segurança foram revistos e matrizes energéticas de várias nações foram reavaliadas. O próprio acidente radiológico de Goiânia fez com que a Comissão Nacional de Energia Nuclear realizasse um levantamento de fontes radioativas presentes em hospitais, clínicas e institutos de pesquisa.

Se há aplicações importantes para saúde, obtenção de energia e desenvolvimento industrial, também há os riscos à vida humana e ao meio ambiente relacionados. O uso da radioatividade envolve grande complexidade e requer a atenção constante de toda a comunidade científica, assim como clareza e responsabilidade nas ações políticas.

LEITURAS RELACIONADAS

INTERNATIONAL ATOMIC ENERGY AGENCY. The radiological accident in Goiânia, Vienna, 1998. Disponível em: http://www-pub.iaea.org/MTCD/publications/PDF/Pub815_web.pdf. Acesso em: fevereiro de 2014.

HERSEY, J. Hiroshima. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

IRENE, M. Tragédia do césio 137 completa 25 anos. Jornal do Brasil, 2012. Disponível em: http://www.jb.com.br/ciencia-e-tecnologia/noticias/2012/09/13/tragedia-do-cesio-137-completa-25-anos/. Acesso em: fevereiro de 2014.

PELLEGRINO, C. O último trem de Hiroshima. São Paulo: Editora Leya, 2013.

 

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