Revista do Vestibular da Uerj
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Ano 12, n. 32, 2019
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Artigos

A escolha da carreira: o ponto de vista de quem escolheu mais de uma!, por Roy David Frankel

Ano 9, n. 25, 2016

Autor: Roy David Frankel

Sobre o autor: Roy David Frankel é formado em Engenharia de Produção pela UFRJ e em Letras Português-Francês pela UERJ; é mestre em Teoria da Literatura e Literatura Comparada, pela UERJ, e doutorando em Ciência da Literatura, pela UFRJ. Trabalha em uma instituição pública com análise de projetos. Em seu mestrado, estudou a possibilidade de uma existência autêntica através de textos de Clarice Lispector, Hermann Hesse e Martin Heidegger. Em seu doutorado, pretende estudar a construção em poemas do infinito.

Publicado em: 24/10/2016

O vestibular é um daqueles momentos na vida em que paramos o que estamos fazendo para refletir sobre nós mesmos em uma perspectiva mais ampla. Onde eu quero estar daqui a 10, 20 ou 30 anos? O que eu quero fazer da vida? O que me trará realização pessoal ou profissional?

Essas perguntas rondam nossas cabeças e tentamos, fragilmente, respondê-las. Mas, quando encontramos uma resposta provisória (é história!, é engenharia!), sempre aparece aquela voz da mãe, do pai, do professor, do amigo, ou muitas vezes de nós mesmos, dizendo: mas, ao invés de história, por que não direito? Ao invés de engenharia, por que não física? E nos enredamos no labirinto, sentindo a respiração do minotauro.

O primeiro passo para uma decisão madura é conhecer os prós e contras daquela decisão: escrever, em duas colunas, prós-contras, ajuda muito. Depois da chuva de manuais do vestibular, buscas na Internet, conversas com tios, tias, pais de amigos, amigos dos pais, orientadores vocacionais, pouco a pouco desbravamos a floresta amazônica que surge à nossa frente. Mas o sentimento de perda ainda é, na maioria das vezes, bastante forte.

Na minha visão, isso acontece porque as perguntas estão erradas: as verdadeiras perguntas guardam em si mesmas as respostas. Vou lhes contar um pouco da minha história, para ilustrar o meu ponto.

A matemática sempre foi uma das matérias na qual eu tinha mais facilidade. Nunca senti aquele ‘medo dos números’ de que tanto se fala: eles para mim eram um terreno seguro, ordenado, planejado. Mas, como estudei vários anos no Colégio Pedro II, com inesquecíveis aulas de filosofia, sociologia, literatura, artes, história, geografia, o mundo das humanas também despertava o meu interesse.

Ao pensar sobre o que cursar, o primeiro filtro foi o mundo das ciências exatas, aquelas em que a minha facilidade era maior. À época, não sabia muito bem o que eu iria fazer da vida (um segredo: ninguém realmente sabe), então entrei em engenharia de produção, ‘a mais humana das engenharias’. Tratava-se de um curso com boa empregabilidade, que permitiria trabalhar com várias coisas, com um salário bom, em resumo: um curso cujo panorama abrangente me permitiria decidir posteriormente a que eu iria me dedicar.

Cursando engenharia, me propus a conhecer os vários campos de atuação, desde o mercado financeiro até iniciação científica, desde a tradicional engenharia industrial até economia solidária. Pouco a pouco fui percebendo a importância de uma atuação ética do engenheiro: utilizar os seus conhecimentos em prol do outro. Em uma sociedade tão desigual como a nossa, essa questão rondava constantemente minha cabeça. Após tantos anos estudando em instituições públicas, me sentia responsável por devolver um pouco daquilo que foi investido em mim.

Um professor da engenharia, tergiversando em uma aula sobre temas mais importantes que a própria aula, colocou a primeira grande pergunta profissional que guardo comigo. Era mais ou menos assim: imagine-se daqui a 20 anos, em uma segunda-feira pela manhã, indo para o trabalho. Você se vê feliz ou triste?

A perspectiva temporal dessa pergunta é importante: em 20 anos, espera-se ter atingido a maioria dos objetivos profissionais que cada um coloca para si. E a manhã da segunda-feira também é bastante importante: ela representa simbolicamente aquele momento que se opõe à felicidade da sexta-feira à noite. Ela é aquele momento de ônibus/metrô/barca cheios, com uma semana inteira pela frente, 45 mil pendências para serem resolvidas, e-mails lotando a caixa de entrada mais rápido do que você consegue chegar no trabalho. Ela é a síntese de uma perspectiva profissional, útil, do trabalho.

Pensando sobre essa questão, a minha resposta foi: sim, se eu conseguir fazer um trabalho pelo próximo, se eu conseguir devolver pelo menos uma estrela do mar ao mar. Foi então que fiz um concurso para uma instituição pública, onde atualmente trabalho. Ao trabalhar em uma instituição pública, a sua atuação tem uma forte tendência para pensar o retorno social de suas tarefas: o Estado é o grande beneficiário.

Estou falando “Estado” sem pensar em esquerda-direita, extremismos de um lado ou de outro, tão sanguíneos em nossos dias. Estou falando de Estado como a síntese dos interesses coletivos, ainda que sujeito às limitações que conhecemos. Mesmo os defensores ferrenhos do estado mínimo (pertencentes a um ramo do pensamento econômico que comumente se denomina “economia ortodoxa”) sabem que existem funções intrinsecamente coletivas e que devem ser cumpridas por agentes do Estado.

Bem, essa é a primeira metade. A segunda metade começou a surgir quando, caminhando pelos longos corredores do Centro de Tecnologia, na ilha do Fundão, senti um incômodo subjetivo: faltava beleza, faltava uma dimensão estética da vida. A solução do incômodo começou a germinar após terminar engenharia, quando entrei em contato com o que seria a minha segunda grande questão. Ela é mais ou menos assim: se dinheiro não fosse um problema, o que você faria da vida?

Essa pergunta é importante, pois carrega em si a dimensão da realização. Muitas pessoas respondem a essa pergunta com: eu viajaria pelo mundo! Bem, essa pergunta me atingiu quando eu estava na metade de um mochilão que durou 7 meses. Então, eu precisava de uma resposta melhor. Para isso, precisava refinar a pergunta: tá, e depois de viajar um, dois ou três anos, o que você faria da vida se dinheiro não fosse um problema?

A essa pergunta, a resposta mais comum reside no campo da liberdade: eu seria um pintor! um músico! um esportista radical! A minha resposta tem sido: quero ficar perto da literatura, seja escrevendo sobre literatura, seja (quem sabe, um dia) escrevendo literatura.

Eu ainda não havia começado o meu trabalho atual, quando enfrentei um novo vestibular e ingressei no curso de letras. Na graduação conheci uma miríade de autores, aprendi uma nova língua, expandi minha visão sobre o que é “cultura”. Fiz um mestrado, no qual me aprofundei em questões filosóficas e literárias. Alguns anos depois, posso dizer com segurança: tem sido uma aventura muito interessante. Atualmente doutorando em estudos sobre literatura, obtenho cada vez mais prazer nas minhas horas dedicadas a isso. O meu trabalho como engenheiro permite pagar as minhas contas, enquanto mergulho no oceano das palavras.

Quando conto a minha história, a pergunta mais recorrente que ouço é: mas você quer ser professor? E a minha resposta é simples: não sei. Não é necessário saber todas as respostas na vida. Sei que gosto do meu trabalho como engenheiro, sei que gosto de estudar literatura. E isso para mim, pelo menos por enquanto, é suficiente.

Essa perspectiva supera uma divisão tradicional: você é de humanas ou de exatas? Eu não saberia dizer. Classificamos as coisas para assimilá-las de maneira mais fácil. Mas, ao fazer isso, nos esquecemos das infinitas cores entre o preto e o branco. Há beleza na teoria da relatividade de Einstein, há razão em poemas de João Cabral de Melo Neto, há números em sonetos de Vinícius de Moraes, há elegância em um fractal.

Então, queridos leitores e leitoras, queria deixar com vocês esses pensamentos. A decisão do vestibular é importante, mas não é a decisão mais importante da vida. Não carreguem nos ombros uma pedra quando é possível movê-la de outras formas: “deem-me um ponto de apoio e moverei a Terra”, já disse Arquimedes.

Lembrem-se de que o trabalho possui muitas dimensões, úteis, profissionais, éticas, estéticas, de realização, de prazer, de liberdade. Nem sempre é possível conjugar todas elas em uma mesma atividade. Mas não podemos deixar-nos sucumbir por uma ou por outra. Só você sabe o seu caminho: a vida é sua e, ao menos essa vida, é única.

 

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