Revista do Vestibular da Uerj
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Rio de Janeiro, 19/04/2024
Ano 12, n. 32, 2019
ISSN 1984-1604

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Artigos

Série Carreiras: Letras - Espanhol, por Vera Lucia de Albuquerque SantAnna

Ano 9, n. 25, 2016

Autor: Vera Lucia de Albuquerque SantAnna

Sobre o autor: Vera Lucia de Albuquerque Sant`Anna é professora associada de Língua Espanhola e pesquisadora no Instituto de Letras da UERJ, onde atua desde 1981. Cursou o mestrado em Letras Neolatinas na UFRJ (1988) e o doutorado em Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas na PUC-SP (2000). Desenvolveu atividades de pós-doutoramento na Universidade de Paris VII (2005) e na PUC-SP (bolsa CNPq, 2006). Lidera, desde 2009, o Grupo de Pesquisa Práticas de Linguagem e Subjetividade (GRPesq-UERJ/CNPq).

Publicado em: 07/11/2016

Revista do Vestibular: A senhora é professora de língua espanhola no Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Conte-nos um pouco sobre sua escolha e trajetória profissional.

Vera Lucia de Albuquerque Sant`Anna: Estudei o antigo primário na Escola Municipal José Bonifácio. O ginásio e o científico no Colégio Pedro II (com um intercurso de finalização do científico pelo Artigo 99, por meio dos exames de suplência); a graduação em Letras, na habilitação de Português-Espanhol, iniciada em 1974, na Faculdade de Letras da UFRJ. Sou da geração que desfrutou integralmente da escola pública. Atuei como professora de curso de línguas e na rede estadual, no ensino médio. Concluí o mestrado em 1988, na UFRJ, e o doutorado em 2000, na PUC-SP (com bolsa Capes). Ingressei no Instituto de Letras da UERJ em 1981; desde então, atuo como professora formadora de futuros professores de língua espanhola que deverão atuar na escola de formação básica. Ao longo desses 31 anos, também tive a oportunidade de conhecer a parte administrativa da UERJ, como assessora da vice-reitoria (1988-1991) e da sub-reitoria de pós-graduação e pesquisa (1992-1995), como chefe de departamento, coordenadora de pós-graduação e coordenadora de setor.

Em relação à minha atuação como formadora de professores, houve obstáculos importantes a essa formação, pois nem sempre a língua espanhola esteve na grade curricular da escola básica. Foram muitas as lutas para que essa língua pudesse estar disponível para os estudantes do ensino fundamental (EF) e do ensino médio (EM). Por exemplo, o espanhol retorna, em 1984, ao então denominado segundo grau, por meio de uma luta encabeçada pela Associação de Professores de Espanhol do Estado do Rio de Janeiro (APEERJ) – mesmo assim, ainda hoje, o Instituto de Aplicação da UERJ (CAp-UERJ), o Colégio de Aplicação da UFRJ, o Colégio de Aplicação da Universidade Rural (UFRRJ) e o Colégio Pedro II não incluem espanhol no ensino fundamental, limitam-no ao ensino médio.

No início dos anos 1980, meus alunos, graduandos da licenciatura em espanhol, não tinham onde estagiar. A partir de 1985, com o concurso para professores de espanhol aberto pela Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ), passamos a ter colégios estaduais que recebiam nossos alunos de graduação. Desde então, muita coisa aconteceu: a SEEDUC-RJ abriu vários concursos públicos; em 1994, a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro abriu seu primeiro concurso para ensino fundamental, tendo acabado de realizar, em 2012, um com oferta de 100 vagas; hoje, temos concursos em muitos municípios do estado do Rio, como, por exemplo, Cabo Frio, Caxias, Petrópolis, Nilópolis, Queimados, Nova Iguaçu, Niterói, e também nos Institutos Federais de Educação Tecnológica de várias cidades. Além dos concursos, foram editados Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para todas as disciplinas do ensino fundamental (1998) e Orientações Curriculares Nacionais para o ensino médio (2006), documentos importantes para a orientação da formação do professor e para a sua atuação na escola. Algum tempo depois, em 2011, a língua estrangeira passou a integrar o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Houve já duas seleções e está em andamento a terceira. Tive oportunidade de compor a equipe elaboradora dos PCN-EF de Línguas Estrangeiras e de integrar a Comissão Técnica do PNLD 2012 (EM) e 2014 (EF).

Minhas práticas estão fortemente marcadas pelo que conheci junto ao grupo de pesquisa de meu doutoramento, ao qual me mantenho filiada. Foram fundamentais para meu trabalho em sala de aula, e também para as pesquisas que desenvolvo, as leituras e discussões fomentadas pelo grupo Linguagem e Trabalho, coordenado pela professora Cecília Souza-e-Silva, da PUC-SP. Foi nesse grupo que aprendi a relacionar estudos da linguagem e do trabalho, em um viés de valorização das atividades realizadas pelo trabalhador e da experiência como saber fundamental para a renormalização da tarefa. Hoje, coordeno o grupo GRPesq-UERJ/CNPq Práticas de Linguagem e Subjetividade, participo do Grupo Atelier (PUC-SP/CNPq) e do Grupo Práticas de Linguagem, Trabalho e Formação Docente (UFF/CNPq).

Minha atuação na graduação da habilitação em Português-Espanhol (desde 1981), no curso de especialização em Espanhol para Leitura (desde 1994) e no mestrado em Linguística (desde 2000) está voltada, prioritariamente, para discussões que atravessam a formação e o trabalho do professor de línguas, tendo como fundamento teórico os estudos discursivos e as propostas ergológicas sobre o trabalho.

Revista do Vestibular: Muitos dos seus projetos de pesquisa propõem reflexões acerca do mundo do trabalho, como a senhora acabou de destacar. Em que áreas o graduado em Letras: Português-Espanhol poderá atuar?

Vera Lucia de Albuquerque Sant`Anna: O mundo do trabalho no curso de Letras tem espaço limitado. Faz pouco tempo que os cursos de Letras tentam se afastar do modelo do beletrismo. A graduação em Letras oferece basicamente a licenciatura, ou seja, a formação de professor. Para os que não desejam ser professores, existe o bacharelado, que, por enquanto, não tem uma terminalidade profissional definida, pelo menos nas universidades públicas do Rio de Janeiro. Entretanto, isso não impede que vários graduados atuem junto a empresas, por exemplo, em editoras, como revisores e redatores técnicos. A atuação como tradutor, outra possibilidade concreta de inserção no mundo do trabalho, tem um caráter inicial na nossa graduação na UERJ: contamos com disciplinas eletivas e com um projeto de extensão (Escritório Modelo de Tradução), que inclui bolsas para graduandos que vão desenvolver essa aprendizagem. Além disso, o Instituto de Letras da UERJ tem vários outros projetos nos quais os alunos de graduação podem se engajar e desenvolver outros aspectos da sua formação profissional. No caso da formação como docente, por exemplo, o Programa LICOM, que inclui vários projetos de ensino de línguas materna e estrangeira para distintos públicos, com previsão de bolsas institucionais de apoio aos graduandos; o Programa PIBID, financiado pela agência federal Capes, voltado para a melhoria do ensino da escola pública, com bolsas para os graduandos e para os professores da escola pública que acolham os projetos elaborados em conjunto.

Revista do Vestibular: A licenciatura é uma das principais habilitações nessa área, como a senhora ressaltou. Considerando que a formação do professor de língua espanhola se insere no contexto mais amplo do ensino de línguas, em especial as estrangeiras, como a senhora avalia esse campo de atuação profissional hoje no nosso país?

Vera Lucia de Albuquerque Sant`Anna: Essa é uma resposta difícil. O que de concreto os cursos de Letras oferecem como profissionalização é a formação de professor. Outras terminalidades existem, mas não estão disponíveis de modo estendido. Como professora formadora de professores, interessada em conhecer como estão sendo organizados currículos de diferentes faculdades/institutos de Letras, tenho observado que há problemas importantes a serem enfrentados na formação, com consequências imediatas na atividade docente na escola de ensino básico. Estou me referindo, em primeiro lugar, ao modo como se compreende o que seja ensinar língua estrangeira na escola: não cabe mais a comparação com os cursos livres; já está definido pelos documentos norteadores da educação brasileira que a escola deve preocupar-se com a formação integral, com a inserção do aluno do ensino básico nas lutas pela defesa da cidadania. A língua estrangeira como disciplina escolar, ao lado de todas as demais, não pode estar fora dessa reflexão e desse compromisso. Contudo, esse espaço da língua estrangeira na escola ainda está em processo de conquista e de amadurecimento: nossos graduandos ainda resistem em se desapegar do modelo “falante nativo”, é bem verdade que cada vez menos, e ainda se deixam deslumbrar por promessas comerciais de “aprimoramento” oferecido por agências internacionais, que têm outros interesses e objetivos que nada têm a ver com a nossa escola de ensino básico. Por isso, a formação universitária do professor requer uma posição política clara de seus professores no que diz respeito ao papel que o futuro graduado deverá desempenhar. As expectativas das famílias dos alunos da escola básica devem ser reorientadas para o papel da língua estrangeira como parte da formação do cidadão. É nosso papel propor essa reorientação, contrariando a ideia de desenvolvimento de “quatro habilidades” em língua estrangeira, ideia essa que tem filiação teórica muito clara: aquela que formaliza um aprendiz que pode ser subdividido em habilidades formais, e essa subdivisão tem como fundamento avaliá-las em separado, para atribuir graus de desenvolvimento em níveis mensuráveis. Compreensão muito discutível, do ponto de vista da aprendizagem e do papel da linguagem na vida das pessoas.

Por essa razão, o estudante da graduação em Letras precisa estar atento às teorias em embate, compreender as opções que faz ao ensinar uma língua e quais as consequências que essas escolhas provocam na sua relação com os alunos, com a escola, com as famílias, com a sociedade.

Revista do Vestibular: O conhecimento de língua espanhola parece ter assumido importância no Brasil, em função da aproximação política entre países hispanofalantes na América nas últimas décadas, com destaque para a formação do Mercosul. Como a senhora observa essa conjuntura?

Vera Lucia de Albuquerque Sant`Anna: É verdade que existe uma relação de proximidade geográfica, política, econômica e histórica entre os países que compõem a região da América do Sul, em especial entre aqueles que se reúnem em torno da designação Mercosul. Além disso, há duas línguas majoritárias nessa região que têm origens comuns: o português e o espanhol se formam a partir de divisão política e linguística da região ibérica, o que se redobra nos territórios conquistados pelas respectivas potências imperais dos séculos XV e XVI, Portugal e Espanha. Muita coisa aconteceu desde então, muitos povos ameríndios entraram em contato e (re)formaram essas línguas ibéricas, garantindo a seus falantes outros lugares de força de fala, bem diferentes daqueles da origem imperial. Portanto, acreditar que é necessário ensinar e aprender português e espanhol para os falantes dos países que compartilham essas proximidades é quase evidente: é a ordem natural do curso da história dos encontros e desencontros linguísticos entre os falantes de uma região. Isso, contudo, não quer dizer que seja uma aprendizagem “facilitada” ou óbvia: aprender outra língua, qualquer que seja ela, exige respeito mútuo, consideração por outros valores, outros modos de expressar e compreender o mundo. Para mim, essa conjuntura política precisa trazer entre suas regras do bem viver a valorização desse papel da língua materna e estrangeira: espaço e momento de criação de sentidos que precisam ser captados, compreendidos e respeitados na relação entre as pessoas, que partem de perspectivas diferentes para tratar das coisas do mundo.

Revista do Vestibular: Quais as maiores dificuldades que o jovem graduado em Letras, com habilitação em Espanhol vai enfrentar na vida profissional? E quais as maiores alegrias?

Vera Lucia de Albuquerque Sant`Anna: As maiores dificuldades e as maiores alegrias se relacionam às oportunidades de atuar como professor: passar em um concurso público, chegar à escola pública, ver os rostinhos dos jovens alunos e começar a discutir com eles o que fazer com essa língua estrangeira, é um momento feliz! Mas a luta contra currículos e programas tradicionais, contra materiais didáticos de qualidade duvidosa e, algumas vezes, impostos, a dificuldade de ter sua lotação na escola respeitada, de viver com o que se paga aos professores, são problemas a serem enfrentados. Por isso, a participação em coletivos profissionais é fundamental, sejam eles mais ou menos formalizados, internos ou externos à escola. Como exemplo, cito a Associação de Professores de Espanhol do Estado do Rio de Janeiro (APEERJ), que desde 1981 vem lutando por condições dignas da implantação do ensino do espanhol nas escolas de ensino fundamental e médio no nosso estado. Há associações desse tipo em todos os estado brasileiros.

Revista do Vestibular: Gostaríamos que a senhora deixasse uma mensagem para os candidatos do Vestibular Estadual que desejam cursar Letras: Português/Espanhol.

Vera Lucia de Albuquerque Sant`Anna: Queridos futuros alunos, a graduação em Letras abre muitas possibilidades de compreensão do mundo em que vivemos. Formar-se em Letras: Português-Espanhol é uma oportunidade de vir a integrar uma comunidade profissional preocupada com o papel da língua estrangeira na formação do cidadão. Uma comunidade profissional que toma posição e atua politicamente, enfrenta decisões governamentais, propõe alternativas, enfim, que não fica achando que as “normas” são elaboradas pelos “que sabem ou que mandam” e assim “tem que ser”: nós temos como intervir nessa elaboração! Valorizar a experiência é fundamental para formar cidadãos! Você pode ocupar seu espaço de professor de muitas maneiras, queremos que você deseje saber, saber para mudar e ajudar a seus futuros alunos a saberem que podem desejar mudar!

 

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