Revista do Vestibular da Uerj
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Ano 12, n. 32, 2019
ISSN 1984-1604

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Artigos

Sistema de cotas na Uerj - uma análise quantitativa dos dados de ingresso, por Stella Amadei

Ano 1, n. 2, 2008

Autor: Stella Amadei

Sobre o autor: Stella Amadei é psicóloga e Coordenadora Acadêmica do Departamento de Seleção Acadêmica da Uerj.

Publicado em: 03/10/2008

Este texto tem como objetivo contribuir para a reflexão sobre a efetividade da aplicação de políticas de ações afirmativas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, por meio da divulgação dos principais dados quantitativos relacionados ao acesso de candidatos cotistas aos cursos de graduação no período 2004-2007.

1 - INTRODUÇÃO

A Lei de Diretrizes e Bases, em seu Título II - Dos Princípios e Fins da Educação Nacional -, preconiza que o ensino seja ministrado respeitando-se o princípio da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola.

A Lei Estadual 4151/2003, ao estabelecer cotas para ingresso de estudantes carentes nas universidades públicas estaduais do Rio de Janeiro, com vistas à redução de desigualdades étnicas, sociais e econômicas, e a fim de cumprir esse princípio, em seu Artigo 5º, assim distribui o percentual de vagas:

  • 20% para estudantes oriundos da rede pública de ensino;
  • 20% para negros;
  • 5% para pessoas com deficiência, nos termos da legislação em vigor, e integrantes de minorias étnicas.

O limite de renda bruta média familiar que configura a carência é definido pela UERJ a cada ano: em 2004, esse valor foi igual a R$ 300,00; em 2005 e em 2006, a R$ 520,00; em 2007, a R$ 630,00.

2 - DADOS QUANTITATIVOS

2.1 - Inscritos

O número de candidatos inscritos no Exame Discursivo, detalhado na Tabela 1, deve ser a primeira variável a ser considerada na análise dos processos seletivos realizados sob a vigência da Lei 4151/2003.

Em termos percentuais, o quantitativo de cotistas inscritos, em relação ao número total de candidatos, foi de 24% em 2004, passando a 9% em 2005, a 10% em 2006 e a 8% em 2007.

Estes valores parecem indicar a existência de uma demanda reprimida por vagas reservadas, atendida em 2004, e uma tendência de redução do número de candidatos que procuram essas vagas.

2.2 - Relações candidato/vaga

A relação candidato/vaga trata da comparação entre o número de vagas oferecidas e o quantitativo de candidatos que desejam ingressar na UERJ. Os índices assim calculados podem ser de grande valia para a análise da perspectiva da sociedade, tanto para com os diversos cursos da Universidade, quanto para com o próprio sistema de cotas. A Tabela 2 mostra as relações candidato/vaga médias calculadas para a UERJ.

Pode-se destacar, em todo o período considerado, a preponderância da procura da cota para alunos carentes da rede pública em relação às demais vagas reservadas.

Entre os cotistas, as menores relações candidato/vaga são inferiores a 1,0 ; os cursos mais procurados são Serviço Social, História e Jornalismo. Já entre os não-cotistas, as menores relações candidato/vaga são superiores a 1,0; os cursos mais procurados são Medicina, Jornalismo e Desenho Industrial.

2.3- Matriculados

O percentual de cotistas ingressantes na UERJ em 2004, em relação ao total de matriculados, foi de 42%, bastante próximo do percentual total reservado de 45% estabelecido pela lei de cotas. Esse índice, no entanto, vem decrescendo a cada ano: 32% em 2005, 31% em 2006 e 24% em 2007.

Independentemente do tipo de vaga, diversos fatores concorrem para a redução do número de candidatos passíveis de convocação para o preenchimento de vagas, tais como faltas à matrícula, problemas na documentação exigida e desistências.

Como a legislação prevê a transferência automática de vagas, os não-cotistas, que buscam a UERJ em maior número do que os cotistas, preenchem as vagas destinadas originalmente a cotistas, como pode ser verificado nas Tabelas 3 e 4: as proporções de matriculados em relação ao número original de vagas é sempre menor que 1,0 para o total de vagas reservadas.

3 - DADOS SOCIOCULTURAIS

São apresentadas, neste item, as freqüências percentuais de respostas a algumas das perguntas de um questionário preenchido por cada candidato no momento de sua inscrição, denominado Questionário de Informações Socioculturais.

3.1 - Perfil pessoal

A composição do perfil pessoal dos matriculados requer que se levem em conta diversas variáveis. Com base na Tabela 5, podem-se analisar alguns aspectos desse perfil, expostos a seguir:

  • Em relação ao trabalho, pelo menos 50% dos cotistas e dos não-cotistas informam nunca ter trabalhado; cerca de 20% dos não-cotistas e 30% dos cotistas começaram a trabalhar com menos de 18 anos.
  • Aproximadamente 50%, nos dois grupos, informam não possuir renda própria. A mesada é a fonte de renda mais freqüentemente apontada entre os não-cotistas, enquanto o trabalho é ligeiramente mais freqüente entre os cotistas.
  • Grande parte dos matriculados na UERJ percebe-se como negro ou pardo, independentemente do tipo de vaga. Entre os não-cotistas, no entanto, encontra-se maior percentual daqueles que se percebem como brancos.
  • Quanto ao gênero dos ingressantes, há uma discreta relevância do número de mulheres.
  • De acordo com o esperado, são mais de 80% os oriundos de escolas públicas selecionados para as vagas reservadas, todos os anos, e mais de 60% os alunos oriundos de escolas particulares selecionados para as vagas não-reservadas.
  • A idade média dos não-cotistas situa-se em torno de vinte anos e meio, enquanto a dos não-cotistas é ligeiramente mais alta, em torno de vinte e um anos e meio.

3.2 - Perfil socioeconômico

A partir de algumas variáveis relevantes para a composição do perfil socioeconômico dos matriculados, informadas na Tabela 6, observam-se os seguintes aspectos:

  • A maioria dos alunos matriculados na UERJ no período considerado, independentemente do tipo de vaga, informa morar com os pais, em casa própria.
  • Em relação ao número de veículos da família, a maior percentagem de respostas entre os cotistas, mais de 70%, refere-se a não possuir veículo algum, enquanto entre os não-cotistas, percentagens próximas a esta referem-se a possuir um ou dois veículos.
  • Quanto à renda familiar mensal, as maiores percentagens de respostas encontram-se, de acordo com o esperado, em escalas diferentes, tendo em vista o critério de carência definido para a aplicação da lei de cotas. Assim, cerca de 80% dos cotistas informam valores de até cinco salários mínimos, enquanto os não-cotistas informam faixas de renda mais altas.
  • A escolaridade dos pais dos não-cotistas apresenta maiores percentuais associados ao nível superior; entre os cotistas estas percentagens estão associadas aos níveis fundamental e médio.
  • Ter computador em casa, bem como o acesso à Internet, são também variáveis que apresentam freqüências mais altas entre os candidatos não-cotistas. A tendência de evolução observada entre os cotistas, se contextualizada nos centros urbanos, não surpreende: em 2004, aproximadamente 39% informam ter computador em casa e 67% ter acesso à Internet; em 2007, essas percentagens são, respectivamente, 49% e 79%.
  • Os alunos não-cotistas indicam possuir mais livros em casa do que os cotistas. Vale destacar as diferenças que se verificam na categoria referente a mais de 100 livros em casa: as percentagens dos não-cotistas são, pelo menos, três vezes maiores que as dos cotistas; em relação ao número de livros lidos por ano, no entanto, praticamente não há diferenças entre o percentual de cotistas e não-cotistas, já que a maior percentagem de respostas encontrada, mais de 60%, corresponde à leitura de, no máximo, cinco livros por ano.

4 - CONCLUSÕES

Os dados aqui apresentados parecem indicar a dificuldade de uma única ação afirmativa pontual em reduzir as atuais desigualdades étnicas, sociais e econômicas, como previsto pela Lei 4151/2003, tendo em vista, principalmente, a baixa demanda por vagas dentro dos limites de carência que têm sido estabelecidos.

O jornalista Ali Kamel, em artigo publicado em O Globo de 27 de maio de 2008, utilizando dados divulgados na página na Internet do Departamento de Seleção Acadêmica da Universidade, observa, referindo-se à cota para negros: "Se, mesmo com 20% de vagas reservadas, não há inscritos suficientes, isso é um sinal claro de que a política de cotas é um instrumento ineficiente para abrir as portas do ensino superior". E, ainda, ao analisar as demais cotas: "O que os impede de estar bem preparados é a pobreza. São os pobres, de todas as cores, que freqüentam as nossas escolas públicas (...)".

Nesse tema, há que citar o sociólogo francês Pierre Bourdieu e sua conceituação da escola como uma das estruturas responsáveis pela reprodução das desigualdades sociais. Em sua obra Os usos sociais da Ciência, Bourdieu lembra que é sempre necessário "decidir se é preciso limitar-se à demanda formulada ou contribuir para explicitar as demandas não formuladas".

Assim, caberia também à UERJ, enquanto campo de produção acadêmica e científica, a possibilidade de agir no sentido de levantar e explicitar a existência de possíveis demandas não formuladas e, portanto, não atendidas, nesse âmbito, principalmente se considerada a dificuldade de grande parcela da sociedade em expressar ou fazer ouvir efetivamente suas opiniões.

Já existe, na Sub-reitoria de Graduação, o projeto de um abrangente estudo de acompanhamento da trajetória escolar dos alunos cotistas, cujos resultados possibilitarão complementar as informações relativas a seu ingresso. Análises e avaliações fundamentadas da aplicação do Sistema de Reservas de Vagas na UERJ deverão resultar do cruzamento desses dados.

Nesse sentido, espera-se que o conjunto de informações aqui apresentadas, sobre cotistas e não-cotistas, configure-se como uma fonte relevante para subsidiar as análises adequadas para a escolha de futuros caminhos.

 

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