Revista do Vestibular da Uerj
Uerj DSEA SR-1
Rio de Janeiro, 25/04/2024
Ano 12, n. 32, 2019
ISSN 1984-1604

Inicial » Artigos » Um passeio histórico pelas resoluções de equações algébricas de graus 2 e 3

Artigos

Um passeio histórico pelas resoluções de equações algébricas de graus 2 e 3, por Silas Fantin

Ano 2, n. 4, 2009

Autor: Silas Fantin

Sobre o autor: Professor Adjunto do Departamento de Estruturas Matemáticas do Instituto de Matemática e Estatística da UERJ. Doutor em matemática pela USP e Mestre em matemática pelo IMPA.

Publicado em: 03/08/2009

As equações polinomiais de grau 2

Por volta de 809-833 d.C., estabeleceu-se em Bagdá uma "Casa da Sabedoria", comparável ao antigo museu de Alexandria. Entre os mestres que a frequentaram, houve um matemático e astrônomo chamado Al-Khowarizmi, cujo nome iria tornar-se familiar na Europa Ocidental, como o de Euclides (360-295 a.C.).

Al-Khowarizmi escreveu dois livros sobre aritmética e álgebra, que tiveram papel muito importante na história da matemática. Em Sobre a arte de calcular hindu, fez uma exposição bastante completa dos numerais hindus. Essa obra, ao que tudo indica, baseou-se em uma tradução árabe do tratado de 628 de Brahmagupta, que viveu na Índia Central, o que, possivelmente, gerou a impressão bastante difundida, porém errônea, de que nosso sistema de numeração é de origem árabe. Nosso sistema de numeração para os inteiros é apropriadamente chamado indo-arábico, para indicar sua origem provável na Índia e sua transmissão através dos árabes.

Os árabes buscavam, em geral, uma apresentação clara, indo da premissa à conclusão, e também uma organização sistemática - pontos em que nem Diofante de Alexandria (cerca de 221-305 d.C), às vezes chamado de pai da álgebra, nem os hindus se destacavam. Os hindus eram hábeis em associação e analogias, com intuição apurada, ao passo que os árabes tinham um enfoque mais prático na sua abordagem matemática.

A tradução latina da Álgebra de Al-Khowarizmi se inicia com uma breve explanação do princípio posicional para números. Em seguida, passa-se à resolução, em seis capítulos curtos. Os três últimos capítulos são mais interessantes, pois abrangem sucessivamente os casos clássicos de equações quadráticas com três termos, em que as soluções são dadas por regras elementares para "completar o quadrado", aplicadas a exemplos específicos.

Com base nesse método de completar o quadrado proposta por Al-Khowarizmi, podem-se encontrar as raízes de uma equação polinomial de grau 2, dada por , sendo seus coeficientes, a, b e c, números reais com a ≠ 0. Observe:

Divide-se toda expressão por a ≠ 0, obtendo-se:

Soma-se e subtrai-se o termo para completar o quadrado:

Extraindo-se a raiz quadrada de ambos os lados:

Convém lembrar que a Índia produziu muitos matemáticos na segunda metade da Idade Média, entre eles Bhaskara (1114-1185), sendo considerado o último matemático medieval importante da Índia, e sua obra representa a culminação de contribuições hindus anteriores. Em seu tratado mais conhecido, o Lilavati, ele compilou problemas de Brahmagupta, acrescentado novas observações, além de apresentar numerosos problemas sobre os tópicos favoritos dos hindus, como equações lineares e quadráticas, tanto determinadas quanto indeterminadas, progressões aritméticas e geométricas, radicais e outros. Devido a isso, erroneamente, alguns autores apresentam as raízes de uma equação polinomial de grau 2 em função dos coeficientes, como sendo a fórmula de Bhaskara.

As equações polinomiais de grau 3

A história da resolução da equação de terceiro grau é muito pitoresca, plena de lances dramáticos, paixões e disputas pela fama e a fortuna que seu achado poderia trazer a seus autores. O primeiro a obter o método de resolução dessas equações foi alguém cujo nome mal é lembrado hoje - Scipione Del Ferro (1465-1526), professor de matemática em Bolonha, uma das mais antigas universidades medievais e uma escola com forte tradição matemática. Como ou quando Ferro fez sua maravilhosa descoberta não se sabe. Não publicou a solução, mas antes de sua morte ele a revelou a um estudante de matemática de pouca expressão, Antônio Maria Fior.

Parece que a ideia da existência da solução algébrica para uma cúbica propalou-se, e Nicolo Tartaglia (1500-1557) nos conta que o conhecimento da possibilidade de resolver a equação inspirou-o a dedicar-se a achar o método por si. Seja independentemente, seja baseado numa sugestão, Tartaglia de fato aprendeu, por volta de 1541, a resolver equações cúbicas. Quando a notícia disso se espalhou, foi organizada uma competição matemática entre Tartaglia e Fior. Cada um dos concorrentes propôs trinta questões para que o outro resolvesse num intervalo de tempo fixado. Quando chegou o dia da decisão, Tartaglia tinha resolvido todas as questões propostas por Fior, enquanto este não tinha resolvido nenhuma das enunciadas por seu oponente.

A notícia do triunfo de Tartaglia chegou a Gerônimo Cardano (1501-1576), que logo convidou o vencedor a vir à sua casa, insinuando que trataria de arranjar um encontro entre ele e um possível patrono. Tartaglia não tinha nenhuma fonte substancial de recursos, em parte talvez por causa de um defeito de locução. Quando criança tinha recebido um corte de sabre, na tomada de Bréscia pelos franceses em 1512, e isso lhe prejudicou a fala. Por esse fato é que recebeu o apelido de Tartaglia, ou gago, nome que usou em lugar de Nicolo Fontana, que recebera ao nascer. Cardano, ao contrário, lograra sucesso como médico. Uma vez lá, com muita insistência Cardano conseguiu que lhe fosse revelado o segredo da resolução das equações do terceiro grau.

Tartaglia consentiu em lhe ensinar a regra da resolução (embora não lhe ensinasse a demonstração da mesma), sob a forma de versos, em troca do juramento solene de que Cardano jamais publicaria esse segredo.

Conhecendo um método de resolução, Cardano procurou e achou uma demonstração que o justificasse. Mais ainda, ele estimulou seu aluno Ludovico Ferrari (1522-1565) a trabalhar com a equação de quarto grau e ele achou o correspondente método de resolução com a devida demonstração.

De posse de ambas as soluções, Cardano deve ter se sentido fortemente tentado a publicá-las. Em 1544, numa viagem com seu aluno, teve acesso a um manuscrito de Del Ferro que continha a famosa regra de Tartaglia, manuscrito este que ainda se conserva. Aparentemente, ao saber que a fórmula de Tartaglia existia já desde trinta anos antes, Cardano se sentiu desobrigado de cumprir seu juramento e publicou, em 1545, em Nuremberg, uma obra intitulada Ars magna, que o tornou verdadeiramente famoso em todo o continente. Um progresso tão notável e imprevisto causou tal impacto sobre os algebristas que o ano de 1545 frequentemente é tomado como marco do início do período moderno na matemática.

Ainda hoje, a Ars magna é uma leitura difícil. Apesar de tratar de equações sobre números, o raciocínio que a embasa é geométrico, como o de Al-Khowarizmi, de modo que podemos pensar em seu método como sendo de "completação do cubo".

Com base nesse método, portanto, podem-se achar as raízes de uma equação polinomial de grau 3, dada por ax3 + bx2 + cx + d = 0, sendo seus coeficientes, a, b, c e d , números reais com a ≠ 0. Observe:

Altera-se a variável para x = y + m:

Logo:

Calcula-se m de modo a anular o termo de 2° grau de:

Divide-se toda a expressão por a ≠ 0 e substitui-se m, obtendo-se:

A expressão pode ser reescrita desta forma:

A ideia agora é supor que a solução de (**) é soma de duas parcelas:

A partir de (**) substitui-se Y:

Logo:

A soma e o produto dos números A3 e B3 são conhecidos:

Isso permite concluir que A3 e B3 são as raízes desta equação:

Portanto, elas podem ser escritas da seguinte forma:

A solução Y é soma de duas parcelas, isto é, Y = A + B:

Como Y é solução de  na qual  , pode-se concluir:

Esta é uma solução para a equação algébrica de grau 3. Em consequencia:

As outras duas raízes são obtidas da equação de grau 2, dada por , usando-se o argumento anterior.

As resoluções das equações cúbicas e quárticas foram talvez a maior contribuição à álgebra desde que os babilônios, quase quatro milênios antes, começaram a se preocupar com equações de grau 2. Nenhuma outra descoberta constitui um estímulo para o desenvolvimento da álgebra comparável a essas reveladas na Ars magna. A fórmula de Tartaglia-Cardano é de grande importância lógica, mas não é nem de longe tão útil para as aplicações quanto os métodos de aproximações sucessivas. O mais importante resultado das descobertas publicadas na Ars magna foi o enorme impulso dado à pesquisa em álgebra em várias direções.

O próximo passo seria encontrar uma maneira de resolver uma equação algébrica de grau 5, dada por  e isso seria um dos grandes desafios da próxima geração de matemáticos. Em 1824, Abel (1802-1829) provou a impossibilidade de resolvê-la algebricamente. Inspirado nesse trabalho, Galois (1811-1832) estabeleceu uma teoria que permitiu determinar as condições necessárias e suficientes para que uma equação tenha solução, provando a impossibilidade da resolução algébrica das equações gerais de grau superior a quatro.

Referências:

  • BOYER, C. B. História da matemática. São Paulo: Edgard Blücher, 1996. (Tradução de Elza F. Gomide, do original A history of mathematics, editado por Jonh Wiley & son, Inc.,1991.)
  • Revista do professor de matemática, n° 25, 1994. (Publicação quadrimestral da Sociedade Brasileira de Matemática com o apoio da Universidade de São Paulo).

 

©2008-2024, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Todos os direitos reservados