Inicial » Artigos » Sistema de cotas na UERJ: uma abordagem sobre a demanda de inscritos
Ano 9, n. 25, 2016
Autor: Ana Cláudia Silva de Souza
Sobre o autor: Sobre a autora: o presente artigo foi apresentado, como trabalho final, no Curso de Especialização em Administração Pública – CEAP, da Fundação CEPERJ, em outubro de 2015. Ana Cláudia Silva de Souza tem o cargo de Técnico Universitário II na UERJ, atuando no Departamento de Seleção Acadêmica – DSEA da Universidade.
Publicado em: 04/10/2016
1.INTRODUÇÃO
A política de cotas como ação afirmativa tem sido adotada pelas universidades no Brasil como instrumento de inclusão social de segmentos menos favorecidos da sociedade em seus cursos de graduação. De acordo com Eurípedes de Oliveira Emiliano, “as políticas de ação afirmativa são iniciativas que visam favorecer grupos ou segmentos socialmente inferiorizados, mediante a adoção de planos e programas que ofereçam oportunidades de acesso a empregos, cargos e espaços sociais, políticos e econômicos”.
A preocupação no Brasil quanto à adoção de ações afirmativas de inclusão social no âmbito educacional remonta à década de 90. Naquele momento, se intensificaram os debates sobre a democratização do acesso ao ensino superior, com discussões acerca da política de cotas em universidades públicas. Ao mesmo tempo, se instituiu o Programa Universidade para Todos (ProUni), que previa a reserva de vagas nas instituições de ensino superior particulares para vestibulandos excedentes de concursos públicos.
A política de cotas foi e está sendo utilizada como tentativa de mitigar a realidade excludente da universidade brasileira. A democratização no acesso de jovens menos favorecidos ao ensino superior reduz a discrepância histórica da presença de negros e pobres nas universidades brasileiras.
Em 1997, apenas 2,2% de pardos e 1,8% de negros, entre 18 e 24 anos, cursavam ou tinham concluído um curso de graduação no Brasil. O baixo índice indicava a necessidade de que algo era necessário ser feito. Conforme lembra a pesquisadora em Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), Teresa Olinda Caminha Bezerra: “pessoas estavam impedidas de estudar em nosso país por sua cor de pele ou condição social. Se fazia necessário, na época, uma medida que pudesse abrir caminho para a inclusão de negros e pobres nas universidades”.
Os expressivos desníveis nos indicadores da educação no Brasil reforçaram a necessidade da implantação de política de cotas em concursos vestibulares.
2.AÇÕES AFIRMATIVAS
2.1 PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA DE COTAS NA UERJ
A UERJ foi uma das instituições pioneiras no Brasil na aplicação do sistema de cotas em seus cursos de graduação. Esse sistema foi implantado na UERJ justamente quando se intensificava a discussão, em nossa sociedade, sobre as políticas de ação afirmativa como instrumento de democratização de acesso ao ensino superior.
Em 28 de dezembro de 2000, a Lei nº 3524, de iniciativa do Poder Executivo, destinando cotas para rede pública, foi sancionada. Essa Lei estabelecia a reserva de 50%, no mínimo, do total das vagas oferecidas pelas universidades públicas estaduais, nos cursos de graduação, aos estudantes que tivessem cursado integralmente os ensinos fundamental e médio em instituições da rede pública dos Municípios e/ou do Estado.
Em 9 de novembro de 2001, foi sancionada a Lei nº 3.708, implementando as cotas raciais. Essa Lei, de iniciativa do Poder Legislativo, instituiu a cota mínima de até 40% para as populações negra e parda aos cursos de graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Estadual do Norte Fluminense. Determinou, ainda, que nessa cota mínima fossem incluídos os negros e pardos beneficiados pela Lei nº 3.524/2000.
Ambas as leis não foram bem recebidas pela comunidade interna da UERJ, pelo seu caráter arbitrário. A adoção do sistema de cotas não foi previamente discutida com a comunidade interna da UERJ, mas, ao contrário, deu-se a partir da mobilização coletiva de atores sociais, organizados fora da universidade, com os poderes Executivo e Legislativo.
Diversas vozes se ergueram dentro da UERJ, tanto de docentes como de discentes, para discussão da autonomia universitária. Tensos debates sobre essa questão ocorreram no Conselho Universitário da UERJ.
A repercussão sobre a implantação da política de cotas na UERJ ultrapassou os muros da Universidade, e diversas mídias contribuíram para fomentar o debate, como a matéria veiculada na Folha de S. Paulo, em 1º de outubro de 2001:
UNIVERSIDADES PÚBLICAS
Projeto, que vai agora para sanção do governador, baseou-se na representatividade das etnias.
Rio dá a negros e pardos 40% das vagas.
Em meio ao debate nacional sobre cotas para negros no ensino superior, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro aprovou ontem projeto de lei reservando 40% das vagas nas universidades públicas estaduais para negros e pardos. O autor do projeto, José Amorim (PPB), disse que a cota de 40% foi estabelecida com base;na representatividade de negros e pardos na população fluminense. Juntas, as etnias somavam, em 1999, 38,2% dos habitantes do Estado, segundo o IBGE.
Em 4 de setembro de 2003, a Lei nº 4.151 foi promulgada, incluindo o conceito de “carentes”. A questão social passou a também ser considerada, exigindo, como pré-condição da entrada no sistema de cotas, a condição de carência socioeconômica dos candidatos. Foi estabelecida a reserva de 45% do total das vagas oferecidas, distribuídos pelos seguintes grupos de cota: 20% para estudantes oriundos da rede pública de ensino, 20% para negros e 5% para pessoas com deficiência e integrantes de minorias étnicas. A UERJ definiu como minorias étnicas os indígenas nascidos no Brasil.
Em 17 de julho de 2007, foi publicada a Lei nº 5074, incluindo no último grupo os “filhos de policiais civis, militares, bombeiros militares e de inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados em razão do serviço”.
Em 11 de dezembro de 2008, foi aprovada a Lei nº 5.346, instituindo por mais dez anos o sistema de cotas nas universidades estaduais. Essa lei manteve o percentual de 45% do total das vagas oferecidas, alterando apenas a distribuição desse percentual: 20% para os estudantes negros e indígenas, 20% para os estudantes oriundos da rede pública de ensino e 5% para pessoas com deficiência, nos termos da legislação em vigor, e filhos de policiais civis, militares, bombeiros militares e de inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados em razão do serviço.
2.2 HISTÓRICO DE INSCRITOS NOS VESTIBULARES 2010 A 2015
Desde o início da instituição do sistema de cotas na UERJ, constatou-se uma discrepância elevada entre o número de inscritos às vagas reservadas e às vagas não reservadas. A tabela abaixo registra o percentual de inscritos nos vestibulares de 2010 a 2015. A escolha desse período teve como motivo a análise dos dados de vestibulares regidos pela última lei promulgada, Lei nº 5346/2008.
Os dados estatísticos evidenciam a baixa demanda de candidatos inscritos em vagas reservadas, comparada ao número de inscritos em vagas de ampla concorrência. A falta de informação e a dificuldade de compreensão quanto ao funcionamento do sistema de cotas, sobretudo com relação aos pré-requisitos exigidos na lei e à complexidade da documentação exigida em Edital, foram identificados pelo DSEA como os fatores preponderantes da baixa demanda por essas vagas.
Os relatórios elaborados pelas assistentes sociais, responsáveis por analisar e emitir parecer sobre a documentação enviada pelos candidatos cotistas, corroboram a hipótese. O elevado número de indeferimentos à documentação enviada apresentava como principal motivo o envio incompleto da documentação exigida em Edital.
2.3 MEDIDAS PARA O APERFEIÇOAMENTO
Visando reduzir as barreiras restritivas ao acesso de candidatos às vagas reservadas, a Sub-Reitoria de Graduação (SR-1) solicitou ao Departamento de Seleção Acadêmica (DSEA), em 2012, a inclusão de um item no Edital do Exame Discursivo do Vestibular Estadual 2013 que possibilitasse aos candidatos indeferidos anexarem documentos na etapa de recursos ao resultado da análise da documentação do sistema de cotas. Essa medida reduziu bastante o índice de indeferimentos, conforme dados na tabela:
Outras medidas para o aperfeiçoamento da política de cotas na UERJ também foram adotadas pelo DSEA. Entre essas medidas, em 2012, o DSEA propôs à SR-1 a instituição do Programa de Relacionamento com o Ensino Médio – PROEM, voltado para o fortalecimento e a aproximação da Universidade com a comunidade do ensino médio.
Dentre os diversos projetos integrantes do PROEM, destacamos o “Acesso à Rede Pública”. Esse projeto visa levar a Universidade ao maior número possível de alunos da rede pública, com os seguintes objetivos: aumentar a penetração do Vestibular da UERJ junto à rede pública do Estado do Rio de Janeiro; traçar estratégias para esclarecimento dos alunos carentes, e seus familiares, sobre o processo seletivo, e as possibilidades de ingresso pelo Sistema de Cotas; aumentar a competitividade às vagas do Sistema de Cotas com o incremento do número de candidatos optantes pelas vagas reservadas; melhorar a qualidade do material informativo a respeito da documentação necessária para envio, pelo candidato, ao Sistema de Cotas.
Para sua consecução, o DSEA estabeleceu parceria com instituições da rede pública de ensino do Estado do Rio de Janeiro. Sob a coordenação da psicóloga Elisabete Matar, assessora do DSEA, foram implementadas iniciativas, de forma experimental, com trinta escolas da rede pública do Estado do Rio de Janeiro, às quais o DSEA denominou “escolas parceiras do PROEM”. O DSEA solicitou a essas escolas a indicação de um profissional, que atuaria como mediador entre o DSEA e os alunos e os pais, incentivando-os a participarem do vestibular e dirimindo as suas dúvidas sobre o funcionamento do sistema de cotas.
Outra medida adotada pelo DSEA foi a disponibilização de uma Central de Atendimento por telefone e por e-mail, para esclarecimento de dúvidas dos candidatos cotistas.
A partir dessa atuação mais próxima do DSEA junto às instituições estaduais de ensino médio que inauguraram o projeto “Acesso à Rede Pública”, notou-se um aumento significativo do número de inscritos na maioria das escolas selecionadas.
3.CONCLUSÃO
Após um período de quase quinze anos de política de cotas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, marcado por resistências à mudança dentro e fora da Universidade, por ajustes na legislação de cotas, e pela adoção de medidas para o aperfeiçoamento do sistema, constata-se hoje a importância dessa política como meio de democratização de acesso à educação superior, por parte de segmentos da sociedade historicamente discriminados e excluídos.
Apesar dos esforços despendidos pela UERJ para a redução das barreiras entre a Universidade e as classes mais carentes, ainda são necessários estudos e pesquisas que analisem a efetividade dessa ação afirmativa como instrumento de inclusão social, bem como a eficácia das ações que vêm sendo desenvolvidas para a mudança da realidade de desigualdade social existente. De acordo ainda com a afirmação de Teresa Olinda Caminha Bezerra e Claudio Roberto Marques Gurgel:
Torna-se importante destacar que as cotas precisam ser encaradas como uma medida emergencial, e não como solução definitiva, para o enfrentamento do problema da exclusão, pois seu principal mérito é trazer a questão para o centro do debate em relação às desigualdades.
Não se pode negar que a política de cotas tem favorecido sobremaneira a inclusão de expressivos contingentes da população historicamente excluídos. Antes da instituição do sistema de cotas, o acesso às instituições de ensino público superior era privilégio de determinadas classes e categorias. Após a instituição do sistema de cotas, cerca de 30% das vagas oferecidas pela UERJ têm sido ocupadas por candidatos inscritos em vagas reservadas, o que representa o ingresso de, aproximadamente, 1.700 candidatos por ano. No entanto, esse percentual de ingresso ainda está aquém do estabelecido na legislação em vigor, que reserva 45% do total de vagas oferecido.
Apesar dos desafios enfrentados e ainda a serem enfrentados, o Sistema de Cotas, como instrumento de política pública de acesso ao ensino superior, tem contribuído significativamente para a redução das diferenças sociais e para a correção de injustiças sociais praticadas historicamente.
Parafraseando Cristovam Buarque, professor da UnB: “um país justo não precisa de cotas. Mas um país que nega cotas é mais do que injusto. É um país que quer esconder a própria injustiça”.