Revista do Vestibular da Uerj
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Rio de Janeiro, 28/03/2024
Ano 12, n. 32, 2019
ISSN 1984-1604

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Série Carreiras: Física, por Alberto Franco de Sá Santoro

Ano 9, n. 25, 2016

Autor: Alberto Franco de Sá Santoro

Sobre o autor: Alberto Franco de Sá Santoro possui graduação em Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1969) e doutorado em Física pela Université de Paris VII - Université Denis Diderot (1977). Atualmente, é professor visitante da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq nível 1A. Tem experiência na área de Física com ênfase em Reações Específicas e Fenomenologia de Partículas, atuando principalmente nos seguintes temas: charm, jets, top, particles e collisions.

Publicado em: 07/11/2016

Revista do Vestibular: O senhor foi professor titular do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas – CBPF e da Universidade do Estado do Rio do Janeiro – UERJ. Atualmente, é professor visitante desta Universidade. Conte-nos um pouco sobre sua escolha e trajetória profissional.

Alberto Santoro: Obrigado pela oportunidade de falar sobre minha vida profissional. Antes de entrar na profissão de Física, vendi pastel na rua para sobreviver, fui datilógrafo de advogado, fui funcionário público trabalhando na Seção de Fiscalização da Medicina, fui bancário. Estudando à noite me formei em contabilidade. Fui para Itajubá para estudar engenharia e, um ano depois, meu irmão Claudio foi para Brasília. Fui passar um mês com ele e me apaixonei pelo ambiente no qual ele estava vivendo. Decidi fazer vestibular para a Universidade de Brasília, isso por volta de 1961-1962. Passei para arquitetura, o curso que mais se aproximava de Engenharia Eletrônica, que eu queria fazer. Quando o professor Roberto Salmeron chegou à Universidade me convidou para fazer Física. Aceitei e fui aluno especial. Esse período, confesso, foi um dos mais felizes de minha vida. O golpe de estado em 1964 interrompeu meu curso, e fomos todos para o Rio de Janeiro. Aqui entrei para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que funcionava na avenida Antônio Carlos. Depois fui para o CBPF fazer pós-graduação com o professor José Leite Lopes. Em 1968-1969, o clima no Brasil ficou irrespirável. Todos os meus professores foram cassados; meus colegas, torturados e presos; outros desapareceram. Ganhei uma bolsa para a França e fui para lá para fazer meu doutorado, que retardei o máximo que pude para não ter de voltar para a ditadura. Quando voltei, retornei para o CBPF, pois não interrompi minha ligação com a Instituição, estava de licença na França. Aqui, trabalhando em Física Teórica e Fenomenologia de Partículas, apareceu um convite de Leon Lederman (Premio Nobel de Física) para ir trabalhar em pesquisas experimentais no Fermi National Accelerator Laboratory, próximo de Chicago. Participei de quatro experimentos lá, e, em um deles, tive a sorte de acompanhar a descoberta do Quark Top. Eu quis vir para a UERJ, pois havia formado alguns professores daqui, que fizeram doutorado e mestrado comigo no CBPF, que é, por lei federal, uma instituição de ensino e pesquisa. Aliás, é a primeira pós-graduação brasileira em Física. Por força da lei, fiz 70 anos e fui obrigado a me aposentar. Hoje, sou professor visitante na UERJ.

Revista do Vestibular: Nos concursos vestibulares, Física é uma das disciplinas em que os estudantes mostram mais dificuldade. Qual sua opinião sobre o ensino de Física nas escolas brasileiras?

Alberto Santoro: Eu acho que o problema não está só na Física. Tive alunos com tanta dificuldade para escrever a tese de mestrado que me perguntava como podiam ter chegado à pós-graduação. Sobre o ensino da Física, considero-o muito dogmático. Deveria ser totalmente voltado para ensinar a pensar, a raciocinar, e isso só é possível com bons laboratórios. Por que os melhores alunos são de famílias com melhores condições financeiras? Porque, em geral, tiveram uma formação melhor. O estudante não aprende a estudar no ensino fundamental e leva para o ensino médio suas deficiências, e depois para a Universidade. No vestibular, a área da Física, em geral, apresenta questões para pensar, e aí surge a grande barreira. Não se aprendeu a pensar. Não se aprendeu a fazer uma prova, a resolver um problema. E, no entanto, o grande sucesso profissional da Física está no fato de que o curso de Física obriga você a estar constantemente desafiado a resolver problemas. É com isso que eu me preocupo: a problemática de ensinar a pensar!

Revista do Vestibular: O senhor desenvolve pesquisas especialmente voltadas para a Física de Altas Energias Experimental. Qual a abrangência desse campo de estudos e qual tem sido o papel do Brasil no campo da Física de modo geral?

Alberto Santoro: Nós podemos dizer que a Física de Altas Energias Experimental é por si só multidisciplinar. Envolve Mecânica, Eletrônica, Fotônica, Computação e muitas outras categorias. Foi no Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire – CERN que foi criada a World Wide Web, por Tim Bernes Lee. De lá saem muitas tecnologias empregadas na medicina, como o tratamento do câncer por feixe de partículas, com muitas vantagens diante de outros tratamentos. A tecnologia avançada de vácuo é outro exemplo: seu mais recente emprego será feito nas placas de captação de energia solar que vão cobrir todo o aeroporto de Genebra. Mas nessa área, sobretudo, aprendemos que a natureza, com suas leis fundamentais e seus tijolos, constitui uma grande fonte de curiosidades. Por incrível que pareça, o Brasil praticamente começou com a Física de Altas Energias e talvez por essa razão tenha uma participação importante nos Experimentos de Altas Energias, em particular, no CERN.

Revista do Vestibular: Quais as maiores dificuldades que o jovem graduado em Física vai enfrentar na vida profissional? E quais as maiores alegrias?

Alberto Santoro: As dificuldades são as mesmas que aparecem para o jovem em qualquer profissão. O mundo novo que se apresenta, o exercício da pesquisa com todo o rigor exigido. Mas, quando se tem prazer no que se está fazendo, todas as dificuldades ficam muito pequenas e desprezíveis diante do prazer da descoberta. Obrigatoriamente, você trabalha com muitas nacionalidades e, portanto, muitas diferentes culturas, e isto é extremamente enriquecedor. A fórmula do sucesso é uma só: trabalho e trabalho e trabalho.

Revista do Vestibular: Gostaríamos que o senhor deixasse uma mensagem para os candidatos do Vestibular Estadual que desejam cursar Física.

Alberto Santoro: Física é uma das fontes mais sofisticadas de prazer. Isto porque é o prazer intelectual. Ela abre e oferece muitas oportunidades para você trabalhar. Mas o mais importante é você insistir naquilo que você mais deseja para sua vida. Quando se tem prazer no que se faz, toda dificuldade torna-se pequena.

 

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