Revista do Vestibular da Uerj
Uerj DSEA SR-1
Rio de Janeiro, 26/04/2024
Ano 12, n. 32, 2019
ISSN 1984-1604

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A dança do amor de Paulina Chiziane, por Gustavo Bernardo

Ano 12, n. 32, 2019

Autor: Gustavo Bernardo

Sobre o autor: Gustavo Bernardo é professor da UERJ desde 1978. Atualmente, dirige o Departamento de Seleção Acadêmica da UERJ (DSEA). Este artigo é o texto da palestra proferida pelo professor no Ciclo de Palestras do Vestibular 2023, em 17 de novembro de 2022.

Publicado em: 21/11/2022

A escritora Paulina Chiziane nasceu em uma aldeia de Moçambique, na África, em 1955, numa família protestante onde se falavam as línguas Chope e Ronga. Aprendeu a língua portuguesa numa escola católica. Apesar, ou por causa, da influência do cristianismo, não se sente presa a nenhuma religião, inclusive para poder falar de religião. Seu romance Balada de Amor ao Vento , de 1990, é o primeiro livro publicado por uma mulher naquele país. Em 2002, publicou o romance Niketche: uma história de poligamia . Em 2021, Chiziane tornou-se a primeira mulher africana a ser distinguida com o Prêmio Camões, patrocinado pelos governos de Brasil e Portugal.

Niketche conta a história de Tony, um alto funcionário da polícia, e sua mulher Rami, casados há vinte anos. Certo dia, Rami descobre que o marido é polígamo: ele tem outras quatro mulheres e vários filhos. As esposas de Tony estão espalhadas pelo país. Rami decide ir atrás das mulheres do marido – pela ordem, Julieta, Luísa, Saly e Mauá. A busca de Rami é uma tentativa de lidar com a diferença, simbolizada pelas outras esposas do marido. Narrado em primeira pessoa por Rami, o livro alterna humor e tragédia, apresentando-se cômico e trágico quase que ao mesmo tempo, à semelhança de autores tão diferentes como Machado de Assis e Woody Allen.

Antes de comentar o romance, admito que eu talvez não seja a pessoa mais indicada para falar sobre Niketche . A escritora é mulher, africana, moçambicana e negra, enquanto eu sou homem, sul-americano, brasileiro e branco. Aproximo-me de Paulina apenas pelo ano de nascimento, 1955 – temos a mesma idade. Fora isso, nascemos em países diferentes com um oceano no meio, embora ligados pela mesma língua portuguesa.

No entanto, apesar de ser a pessoa menos indicada para falar sobre Niketche , insisto em falar a respeito, porque o romance me deixou comovido e devastado – logo, eu preciso fazer alguma coisa com as emoções provocadas pela leitura. Além disso, a literatura sempre gera uma espécie de outramento : a literatura nos leva a ver o mundo por olhos diferentes dos nossos, a entender a realidade por uma perspectiva diferente da nossa – logo, pode ser interessante que alguém, de perspectiva bem diferente de Paulina, fale sobre o seu romance, até para gerar mais discussão e mais críticas.

Há quem diga que, ao lermos um texto de literatura, não devemos nos preocupar com a mensagem do autor, apenas com a estrutura e a forma da narrativa. No caso desse romance em particular, porém, a forma é também parte da mensagem. Destacar a mensagem da escritora, a partir da sua identidade de mulher, africana, moçambicana e negra, se mostra importante, porque o romance é também um manifesto feminista, mais propriamente, antimachista, além de antirracista e anticapitalista. Esse múltiplo manifesto constitui a mensagem do livro.

Enfrentamos, os leitores brasileiros, uma dificuldade: o livro é escrito na nossa língua, a língua portuguesa, mas em uma das suas variantes africanas. Essa dificuldade exige mais atenção na leitura, mas também oferece mais recompensa para os leitores, gerando envolvimento e entregando beleza.

Ao ler e comentar os trechos, sinalizo as páginas da edição da editora Companhia de Bolso, datada de 2021. Começo com um pequeno trecho mais próximo do final do livro, na página 188, porque esse trecho me parece o coração do romance. É um dos muitos trechos em que a narradora toma emprestada a voz da própria autora, enunciando suas opiniões sobre a realidade que nos cerca e, ao mesmo tempo, sobre a realidade que nós mesmos construímos à nossa volta. O trecho, definindo o que é ser mulher, se compõe por duas frases pequenas:

Mulher é ser solitário na marcha da multidão .

Mulher é a dor coletiva que cobre o mundo inteiro .

São duas pequenas frases com enorme importância no romance, sinalizando uma série de metonímias aninhadas, uma dentro da outra. No romance, a narradora, Rami, é metonímia das mulheres do seu país, assim como cada mulher, por sua vez, é metonímia de todas as mulheres do mundo, representando tanto a solidão no meio da multidão, quanto a dor coletiva que cobre todo o mundo. 

Os homens podemos argumentar que todos, homens e mulheres, somos seres solitários no meio da multidão, mas precisamos reconhecer que perceber a mulher como “a dor coletiva que cobre o mundo inteiro” faz todo o sentido, considerando tanto sua maior resistência à dor, haja vista a dor do parto que só elas enfrentam, quanto a história do sofrimento feminino ao longo do tempo. Essas circunstâncias, existenciais, justificam que a mulher seja vista e se veja como metonímia concentrada dos dramas e dos impasses da própria humanidade. 

Que a narradora e protagonista seja uma metonímia também explica que ela passe por tantas dificuldades e sofra tantas agressões no decorrer do romance, já que as dificuldades e agressões não atingem apenas determinada mulher, mas sim todas as mulheres de Moçambique, quiçá do mundo. O leitor e a leitora podem achar que não é verossímil que apenas uma mulher sofra tanto assim – mas, como metonímia, Rami existe para nos lembrar do sofrimento do mundo inteiro.

Retorno agora ao primeiro parágrafo do romance, na página 9, quando a narradora se refere a um estrondo, que se ouve ao longe: 

Uma bomba. Mina antipessoal. Deve ser a guerra a regressar outra vez.

O pano de fundo histórico do romance são as duas guerras que assolaram Moçambique na segunda metade do século XX. Primeiro, a guerrilha do país contra a dominação de Portugal, liderada pela FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), que teve início em 1964 e terminou em 1974. A vitória da Frelimo foi facilitada pela Revolução dos Cravos em Lisboa, em 25 de abril de 1974, que acabou com o regime ditatorial em Portugal. Paulina Chiziane, assim como Mia Couto, o escritor mais conhecido do país, foram militantes da Frelimo.

Em 1977, foi deflagrada a guerra civil em Moçambique, entre a Frelimo e a RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana), espelhando o contexto da guerra fria, no mundo, entre esquerda e direita. Durante o conflito, um milhão de pessoas morreram em combate e muitas outras sofreram amputações por minas terrestres. O conflito terminou apenas em 1992. Até hoje, as minas terrestres remanescentes em solo moçambicano são um grande problema, matando e mutilando centenas de pessoas. Essas minas fazem com que a dor da guerra sempre retorne. 

Os efeitos da guerra são muito diferentes para os homens e para as mulheres. Para os homens, a guerra faz parte da brincadeira de matar – como nos mostrou, aqui no Brasil, nos últimos 4 anos, certo capitão reformado. Para as mulheres, a guerra não é nenhuma brincadeira, mas sim ocasião nefasta para perderem os filhos e serem vítimas da pior de todas as armas de guerra: o estupro. Direta e indiretamente, é disso que Niketche fala todo o tempo.

A narradora aproxima as vítimas mulheres umas das outras, e assim combate a solidão, ao procurar, uma por uma, as outras esposas do seu marido, expondo uma história de poligamia, como mostrava o subtítulo. No encontro com Julieta, a segunda esposa, ambas saem no tapa. Rami leva a pior, mas se surpreende, porque a suposta rival cuida dos seus ferimentos. Elas então, na página 21, começam a conversar e Rami se surpreende:

A minha rival abre-se e conta-me a sua longa história. A sua cama é fria como a minha. Vive numa solidão pior do que a minha. Tem cinco filhos como eu e agora espera o sexto.

Rami, esperando encontrar, na rival, uma vilã a quem pudesse odiar e, quem sabe, eliminar, espanta-se encontrando alguém com a mesma história e padecendo de uma solidão ainda pior, com tantos filhos quanto ela e ainda esperando mais um bebê. Na época em que se passa a história, no final do século XX, a contracepção já seria bem mais facilitada, mas não tanto na África profunda. De um lado, o homem ainda quer espalhar o máximo possível “as suas sementes”, ou seja, o seu sêmen, como se com cada filho gerado se convença de que ainda é homem, ou de que é mais homem do que os outros. De outro lado, o da mulher, que tem muito menos oportunidade de trabalho decente, cada filho é garantia de sobrevivência, quer quando pequeno, porque estimula o pai a sustentar também a mãe, quer quando adulto, porque pode apoiá-la na velhice, que chega tanto mais cedo quanto mais filhos ela gera.  

Na conversa depois da briga, Rami pergunta à Julieta, na página 23: “como podes andar à pancadaria por um marido que nem sequer é teu?”. A resposta de Julieta é outra pergunta, ainda mais perturbadora: “E o que significa a palavra teu, quando se trata de um homem?”. A narradora, então, reflete a respeito, provocando, no leitor, uma reflexão equivalente:

Gera-se um momento de pausa, grave, profundo. Desafiamo-nos, olho por olho. A Julieta revela-me uma verdade mais cáustica que uma taça de veneno. Ter é uma das muitas ilusões da existência, porque o ser humano nasce e morre de mãos vazias. Tudo o que julgamos ter, é-nos emprestado pela vida durante pouco tempo. Teu é o filho no ventre. Teu é o filho nos braços na hora da mamada. Mesmo o dinheiro que temos no banco, só o tocamos por pouco tempo. O beijo é um simples toque e o abraço dura apenas um minuto. O sol é teu, lá do alto. O mar é teu. A noite. As estrelas. Cada ser nasce só, no seu dia, na sua hora, e vem ao mundo de mãos vazias. Penso naquilo que tenho. Nada, absolutamente nada. Tenho um amor não correspondido. Tenho a dor e a saudade de um marido sempre ausente. A ansiedade. Ter é efemeridade, eterna ilusão de possuir o intangível. Teu é o que nasceu contigo. Teu é o marido quando está dentro de ti.

A reflexão reforça o caráter de manifesto do romance – nesse caso, um manifesto de cunho filosófico. Entrando na velha discussão da diferença entre ser e ter, Rami percebe que “ter é uma das muitas ilusões da existência”: da casa ao carro, do marido ao filho, tudo é fluido e fugaz como a água, efêmero e intangível como a verdade e a beleza.

O discurso de Paulina/Rami, misturo a escritora e a narradora de propósito, faz jus à concepção, popularizada por Roland Barthes, que enxerga na literatura um giro dos saberes . A literatura gira todos os saberes porque não sabe tudo, mas sabe de tudo um pouco. Ao pensar sobre as relações, no tempo, entre os homens e as mulheres, a narrativa navega, ao mesmo tempo, na história e na religião, nos lembrando que a população moçambicana é composta, na base, por povos bantus, mas a religião com o maior número de adeptos é o cristianismo. Diz a narradora, na página 36, convidando-nos a navegar com ela:

Navego numa viagem ao tempo. Haréns com duas mil esposas. Régulos com quarenta mulheres. Esposas prometidas antes do nascimento. Contratos sociais. Alianças. Prostíbulos. Casamentos de conveniência. Venda das filhas para aumentar a fortuna dos pais e pagar dívidas de jogo. Escravatura sexual. Casamentos aos doze anos. Corro a memória para o princípio dos princípios. No paraíso dos bantu, Deus criou um Adão. Várias Evas e um harém. Quem escreveu a Bíblia omitiu alguns factos sobre a génese da poligamia. Os bantu deviam reescrever a sua Bíblia.

Um dos modos de se fazer e de se estudar literatura se concentra numa palavra, embora grande: “intertextualidade”. Chiziane pratica a intertextualidade quando estabelece relação direta com a Bíblia; os leitores praticamos a intertextualidade quando relacionamos um romance a outros romances. Podemos, por exemplo, comparar Niketche ao romance da canadense Margaret Atwood, intitulado The Handmaid’s Tale – em português, O conto da aia – e à série televisiva do mesmo nome.

No livro e na série, um movimento fundamentalista baseado no Antigo Testamento derruba o governo dos Estados Unidos e cria a República de Gilead, na qual as mulheres não têm direitos, nem mesmo o direito de ler livros. A história é contada em primeira pessoa por uma mulher chamada Offred – literalmente Of-Fred , isto é, “do Fred”, que pertence, literalmente, a um homem chamado Fred Waterford. Offred foi sequestrada para servir como aia – no caso, apenas para reproduzir os filhos do homem a que pertence, na presença e com a ajuda da própria esposa desse homem. Aqui não se trata apenas de poligamia, mas de estupros em série, apresentados como rituais sagrados. 

Na quinta temporada de The Handmaid’s Tale , Offred, que na série tem o nome de June, fica desesperada atrás da filha, Hannah.  Hannah está sendo preparada, em Gilead, para se casar, com 12 anos de idade, com um homem muito mais velho. Ora, o romance de Chiziane falou de “casamentos aos doze anos”, assim como de “venda das filhas para aumentar a fortuna dos pais”. Ambos os romances sugerem, então, que os abusos cometidos contra as mulheres através do tempo não se restringem ao passado – eles continuam acontecendo até hoje.

Os personagens homens das duas escritoras parecem monstros, mas não se veem como monstros, como mostra uma fala de Tony, o marido polígamo de Rami, já na página 246:

Sou um homem bom, Rami, há homens piores do que eu. Faço tudo bem feito. Ter muitas mulheres é o direito que tanto a tradição como a natureza me conferem. Nunca maltratei a Lu, bati nela algumas vezes, apenas para manifestar o meu carinho. Também te bati algumas vezes, mas tu estás aí, não me abandonaste para lugar nenhum. A minha mãe sempre foi espancada pelo meu pai, mas nunca abandonou o lar. As mulheres antigas são melhores que as de hoje, que se espantam com um simples açoite.

A resposta de Rami é bem humorada: “tens razão, Tony, as mulheres de hoje já não têm juízo. Por que não te casas com a minha avó?”. Tony parece acreditar realmente que há justificativa plausível não apenas para a violência doméstica quanto, no limite, para o feminicídio, isto é, para o assassinato de mulheres pelo simples fato de serem mulheres. Essa justificativa é procurada no início dos tempos, embora ninguém possa saber, ao certo, como eram as coisas no início dos tempos. Os livros sagrados – como a Bíblia, que significa “conjunto de livros” –, no entanto, acham que sabem e nos contam, revoltando a nossa narradora, na página 61:

Até na bíblia a mulher não presta. Os santos, nas suas pregações antigas, dizem que a mulher nada vale, a mulher é um animal nutridor de maldade, fonte de todas as discussões, querelas e injustiças. É verdade. Se podemos ser trocadas, vendidas, torturadas, mortas, escravizadas, encurraladas em haréns como gado, é porque não fazemos falta nenhuma. Mas se não fazemos falta nenhuma, por que é que Deus nos colocou no mundo? E esse Deus, se existe, por que nos deixa sofrer assim? O pior de tudo é que Deus parece não ter mulher nenhuma. Se ele fosse casado, a deusa – sua esposa – intercederia por nós. Através dela pediríamos a benção de uma vida de harmonia. Mas a deusa deve existir, penso. Deve ser tão invisível como todas nós. O seu espaço é, de certeza, a cozinha celestial.

Deus, de fato, não tem mulher nenhuma na sua vida – nem esposa, nem mãe, nem irmã. A ausência de uma mulher na vida de Deus, nas religiões cristãs, é parcialmente compensada, no catolicismo, com o culto à Maria, mãe de Jesus – o que já não acontece entre os protestantes, que repudiam, como idolatria, o culto tanto à Nossa Senhora quanto a quaisquer santos. É conhecida a cena de um bispo da Igreja Universal, em 1995, chutando a imagem de Nossa Senhora Aparecida justamente no dia da padroeira do Brasil. Chiziane talvez dissesse que aqueles chutes foram dados em todas as mulheres do país.

Claro, o que Paulina Chiziane diria é especulação minha. Mas, em entrevista concedida à BBC Brasil em 2016, a escritora africana disse textualmente: 

Todos acham que a África não conhece Deus. As igrejas evangélicas estão exatamente com a mesma filosofia da inquisição: não pode haver mais nada, só aquilo que eles pensam. É só ver no que a inquisição acreditava: na força do diabo. Que pena, porque deveria ser na força de Deus. As igrejas evangélicas também acreditam muito na força do diabo, e acreditam que esse diabo vem da África. Portanto, é uma religião mais voltada ao culto ao diabo e à demonização africana. Matam tudo em nome de alguma coisa sobre a qual nem têm certeza.

A alusão às igrejas evangélicas, no romance como na entrevista, não é irrelevante, porque elas são as que mais crescem, na África como no mundo. O romance não esquece que as religiões dominantes no planeta são fundamentalmente patriarcais, o que explica seu machismo intrínseco. A opção pela poligamia, fortemente presente no Antigo Testamento, não implica direito à poligamia para todas e todos – mas apenas para os homens. Como explica a narradora, na página 81:

Porque poligamia é poder, porque é bom ser patriarca e dominar.

Subjaz à poligamia menos o direito ao prazer irrestrito – mas restrito apenas aos homens –, mais o direito ao poder absoluto, principalmente sobre o Inteiramente Outro do homem, representado, é claro, por cada mulher e por todas as mulheres. 

Mais adiante, na página 92, Rami lembra que o termo “primeira-dama”, tão discutido recentemente nos nossos jornais, por causa da Janja, esposa do presidente Lula, esconde vestígios de poligamia antiga:

Não há primeira sem segunda. Os reis tinham uma rainha só para inglês ver, e afogavam-se de prazer nas belas cortesãs, favoritas, nos haréns, concubinas e todas essas coisas.

Todo o enfrentamento do machismo e do racismo, por Rami e pelas mulheres de Tony, está contido numa única palavra, que por sua vez é o título do romance: “niketche”. Na página 138, Mauá, uma das mulheres de Tony, explica o que significa a palavra “niketche”:

Uma dança nossa, dança macua, uma dança do amor, que as raparigas recém-iniciadas executam aos olhos do mundo, para afirmar: somos mulheres. Maduras como frutas. Estamos prontas para a vida! Niketche. A dança do sol e da lua, dança do vento e da chuva, dança da criação. Uma dança que mexe, que aquece. Que imobiliza o corpo e faz a alma voar. As raparigas aparecem de tangas e missangas. Movem o corpo com arte saudando o despertar de todas as primaveras. Ao primeiro toque do tambor, cada um sorri, celebrando o mistério da vida ao sabor do niketche. Os velhos recordam o amor que passou, a paixão que se viveu e se perdeu. As mulheres desamadas reencontram no espaço o príncipe encantado com quem cavalgam de mãos dadas no dorso da lua. Nos jovens desperta a urgência de amar, porque o niketche é sensualidade perfeita, rainha de toda a sensualidade. Quando a dança termina, podem ouvir-se, entre os assistentes, suspiros de quem desperta de um sonho bom.

A melhor resposta ao machismo e ao racismo, segundo a autora moçambicana, se encontra na dança – na dança do amor.

 

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