Inicial » Colunas » Qual é o melhor método para escrever? - I
A palavra “método” é formada por “meta”, que significa “através
de”, e “odos”, que significa “caminho”. Portanto, “método” é o caminho através
do qual se chega perto de onde se quer chegar.
Para estabelecer um método de redação, antes preciso saber aonde quero chegar com ela. Diz-se que escrevemos para comunicarmos o nosso
pensamento. Entretanto, antes de comunicarmos o nosso pensamento, precisamos
pensar. Se transferimos o nosso pensamento exatamente como ele nos vem à mente,
a nossa redação se mostra caótica. Precisamos organizar o pensamento, e uma das
melhores formas de fazê-lo é escrevendo.
Logo, o primeiro objetivo da redação é o de organizar o
próprio pensamento: escrevemos para pensar melhor. Comunicar o que pensamos
para os outros se mostra, assim, o segundo objetivo da redação. Para atender o
primeiro objetivo, precisamos pensar como pensar melhor. Para atender o segundo
objetivo, precisamos pensar sobre os nossos leitores, tanto ideais quanto
reais.
Deixo os leitores para uma próxima crônica. Falemos hoje de
métodos de pensamento. Identificamos na tradição ocidental dois métodos
fundamentais de raciocínio: o indutivo, que caminha do particular para o geral,
e o dedutivo, que caminha na direção inversa, do geral para o particular.
A indução se apoia na observação. Ora, nós só podemos
observar o que for particular, isto é, o que estiver à volta de nossa
existência particular. Também só podemos observar o que for concreto, isto é, o
que nossos sentidos limitados podem captar. Relacionando nossas observações
particulares e concretas, porém, podemos abstraí-las e generalizá-las. Podemos tecer
conclusões abstratas e gerais.
Os dados concretos são conhecíveis, e se os observarmos
tornam-se conhecidos. A conclusão que desejamos é desconhecida, mas podemos
elaborá-la e assim fazê-la conhecida. Logo, pode-se dizer também que no método
indutivo partimos do conhecido para o desconhecido.
Observamos não somente coisas. Observamos igualmente
fenômenos, acontecimentos. No entanto, não podemos observar as causas dos
acontecimentos. Observamos tão somente os seus efeitos. Logo, pode-se dizer
ainda que no método indutivo partimos da observação dos efeitos para chegarmos
a suas causas.
O par causa-efeito deve ser sempre expresso no plural. A
causa, em todos os fenômenos que valem a pena ser investigados, não é uma: são sempre
muitas causas. Da mesma maneira, diversos efeitos de diversas causas se
conectam entre si. Do que se conhece até hoje das investigações indutivas, chegamos
nunca a uma causa apenas, mas sempre a um conjunto complexo de causas, tão
complexo que as causas do fenômeno A podem ser ao mesmo tempo efeitos do
fenômeno B. Este conjunto complexo de causas e efeitos forma a estrutura dos
acontecimentos.
Podemos então esboçar um pequeno esquema dos caminhos
indutivos:
· particular → geral
· concreto → abstrato
· conhecido → desconhecido
· efeitos → causas
Há dois recursos indutivos básicos: a observação direta e o
testemunho autorizado.
No primeiro, a pessoa confia nos seus próprios sentidos para
observar o que a cerca e daí extrair conclusões sobre o que ainda não sabia.
No segundo, a pessoa elege alguém que já tenha feito observações pertinentes ao
que lhe interessa, considerando seus testemunhos como autorizados.
O segundo recurso é indispensável, uma vez que ninguém pode
observar tudo em todos os tempos e em todos os lugares. Para investigar
questões históricas, não podemos contar apenas com a nossa observação, a menos
que dispuséssemos de um bom túnel do tempo. Sem esse túnel, só podemos recorrer
aos testemunhos dos outros. Naturalmente, devemos fazê-lo de forma crítica e
atenta, duvidando sempre – como aliás devemos duvidar sempre das nossas
próprias observações.
Vamos desenvolver os dois recursos através da investigação rápida
de um determinado tema: violência.
Para fazê-lo indutivamente, primeiro se observam os dados
particulares conhecidos – os efeitos. Os efeitos imediatos da violência são
suas vítimas. Olho à volta, procurando momentos em que eu, parentes, amigos e
conhecidos nos tenhamos considerado vítimas de violência. Na presente história
urbana brasileira, certamente vários de nós teremos sido assaltados ou
agredidos de alguma forma. Na aparente maioria das vezes, os assaltantes e
agressores pertencem às camadas despossuídas da sociedade – provavelmente, são
negros e pobres. Logo, são eles a causa da violência.
Mas... calma. O caminho do particular para o geral não se
atravessa em apenas dois passos. Dois passos apenas servem àquela pessoa que precisa
de uma opinião qualquer para gastar no
bar à noite. Quem se dispõe a articular sua expressão dá estes dois passos,
volta a dúvida sobre eles e deles desconfia. Assim, permitam-me desconfiar das
observações acima.
O meu olho e o olho de meus parentes e amigos não seriam,
por acaso, o mesmo olho? O olho de uma mesma classe, média, com poucas posses
mas com posses, cujo ponto de vista vem marcado pelo medo de perder, ou seja,
de roubarem, este pouco que ainda tem?
Se tentar ampliar e estender o olho de minha classe através
dos meios de comunicação, ainda não estarei me ampliando muito. O olho da
televisão, por exemplo, embora em cores, é a soma dos olhos dos homens concretos
que a dirigem e que nela trabalham – ainda homens daquela mesma classe.
Porém, se mudo a perspectiva coleto fatos novos e diferentes
daqueles. A saber: das 600 mil crianças que morrem anualmente no Brasil, 69%
são vítimas diretas ou indiretas da subnutrição. Das 600 mil crianças que
morrem anualmente no Brasil, uma porcentagem ainda maior é composta por
crianças negras e pobres. Logo, descobrimos que a subnutrição é uma cruel
assassina e descobrimos também que os negros e os pobres se encontram no outro
lado: o lado dos efeitos da violência. O lado das vítimas.
Os fatos e as mortes acima foram pinçados do livro “Política
da repressão”, de Luigi Moscatelli. Tive necessidade de recorrer a outros testemunhos,
para pensar em mais de uma perspectiva. A minha perspectiva limitada é isso
mesmo: limitada e insuficiente. No primeiro momento, identifiquei nos
miseráveis a causa da violência. No segundo momento inquieto, precisei me
perguntar se não será a miséria efeito ainda – efeito de violências mais
amplas.
Se o método indutivo se apoia na observação dinâmica dos
fatos, as conclusões que dele se extraiam estarão melhor fundamentadas quanto
maior o número de fatos colhidos e quanto melhor a qualidade das relações que
estabeleçamos entre os fatos. Entretanto, por mais extensa que seja a nossa investigação,
nunca o será o bastante para nos garantir a verdade absoluta.
O método indutivo tem os seus limites. Ao raciocinar a
partir dos fatos, ele nos entrega conclusões provavelmente verdadeiras, mas não
necessariamente verdadeiras. No mais das vezes, existem hipóteses alternativas
àquelas com as quais nos apegamos, indicando caminhos diversos para a solução.
Demonstrei a aplicação do método no tema "violência".
Demonstro os seus limites com exemplo diferente, para aliviar a barra. Que tal
verruga? Verruga é um problema para muita gente, e problemas estão à cata de
soluções. Muitos acreditam em eliminar as verrugas friccionando-as com cebolas.
Acreditam, porque viram muitas curas dessa espécie de fato acontecerem, confirmando
a crença. Fatos objetivos nos levam a conclusões objetivas, certo?
Atenção: levam-nos a conclusões objetivamente prováveis. Se
exercitarmos de novo a dúvida, e duvidarmos das propriedades terapêuticas das
cebolas, poderemos lançar uma hipótese alternativa, do tipo: as verrugas talvez
sejam meros sintomas psicossomáticos. Neste caso, como as urticárias, elas
representariam o aflorar na pele, na superfície, de problema interno profundo,
como medo do fracasso, ou de rejeição, ou de ser feio.
Daí, como a maioria dos sintomas psicossomáticos (explosão
no corpo, através de problemas físicos aparentes, de doenças psicológicas reais
e inconscientes), elas seriam passíveis de cura por meio da sugestão. Qualquer
método de tratamento passa a ser eficaz, desde que o paciente nele acredite.
Seria acreditar no tratamento, e não propriamente o dito cujo, que produziria a cura.
A hipótese alternativa checa o grau de probabilidade das
cebolas, mas também precisa de fatos para confirmá-la. Um modo seria levar
tantos pacientes a acreditarem num outro tratamento, tipo friccionar uvas
verdes. Ou propor diretamente o enfrentamento do problema psicológico
subjacente. Se as uvas verdes ou o conscientizar do medo resolverem, derrubando
as verrugas, então mostrou-se muito fraca a conclusão anterior e fortalecida
esta nossa – por enquanto.
Na próxima crônica, andaremos pelo outro caminho do
pensamento e da redação: o método dedutivo.