Revista do Vestibular da Uerj
Uerj DSEA SR-1
Rio de Janeiro, 19/04/2024
Ano 12, n. 32, 2019
ISSN 1984-1604

Inicial » Colunas » Qual é o melhor método para escrever? - II

Colunas

Qual é o melhor método para escrever? - II

Gustavo Bernardo

O método indutivo, como vimos na crônica anterior, se apoia na observação direta e na observação indireta, isto é, no testemunho autorizado. Esse método, no entanto, é insuficiente para desenvolver o pensamento.

Antes de catalogar os fatos observados e observáveis, muitas vezes faz-se necessário elaborar uma hipótese preliminar. É a hipótese que nos fornece o critério para selecionar e ordenar os fatos mais pertinentes e mais relevantes. Sem a hipótese, a mera multiplicidade de fatos apenas desconcerta.

O método dedutivo dá conta das hipóteses preliminares, caminhando em sentido inverso ao indutivo: do geral para o particular, do abstrato para o concreto, do desconhecido para o conhecido, da causa para o efeito. Por quê? Porque ele se apoia na projeção raciocinada de uma solução.

O trabalho da dedução, portanto, se concentra na montagem da projeção, também chamada hipótese, ou premissa geral. Trabalho que se desenvolve assim:

- elaborar a hipótese;
- relacionar os fatos pertinentes e suficientes;
- confirmar ou não a hipótese;
- não confirmando, reelaborar;
- confirmando, concluir.

O princípio da dedução é matemático. Como a matemática, a dedução apoia-se nos elementos abstratos, como números e equações, para através deles estabelecer um sentido entre os elementos concretos do mundo.

Tanto a dedução quanto a matemática são indispensáveis. Se nós não podemos observar sempre a tudo, precisamos de alguns princípios gerais que sustentem nossas ações e reações em cada instante. Ora, os princípios são as equações que aplicamos sobre as coisas.

A equação “2 + 2 = 4”, por exemplo, me dispensa de sempre catar quatro laranjas para fazer a conta concreta e daí transferir o resultado para, por exemplo, cidades. A equação “o ato de escrever é um ato de autoafirmação”, por sua vez, me dispensa de sempre filosofar a cada vez que me deparo com o papel em branco, enfrentando-o sem hesitação.

Na redação, a equação do método dedutivo se chama “silogismo”. O termo pode ser lido como: “se-é-lógico”. O silogismo empresta a estrutura dos quatro principais recursos dedutivos:

- o silogismo propriamente dito,
- o silogismo munido de provas,
- o dilema,
- a redução ao absurdo.

O silogismo propriamente dito é constituído por três proposições:

- premissa geral
- premissa particular
- conclusão

Podemos esquematizá-las da seguinte maneira:

TODO   M  →  G.
ORA,     P  →  M.
LOGO,  P  →  G.

Tanto na premissa geral quanto na particular aparece um termo comum, que designamos como M. É esse termo comum que permite à conclusão relacionar o particular com o geral para justamente confirmar a hipótese, ou seja, a própria premissa geral e inicial.

Exemplifiquemos em situação eleitoral:

- Todos os corruptos não devem ser eleitos.
- Ora, Fulano é sabidamente corrupto.
- Logo, Fulano não deve ser eleito.

A premissa geral abre com o termo “todo” ou “todos”, de modo a abranger todo o conjunto de elementos referidos – no caso, políticos corruptos.

A premissa particular abre com o termo “ora”, para introduzir o caso particular. O termo “ora” parece vir mesmo de “hora”, ou seja, “nesta hora”, neste particular – no caso, Fulano (cada leitor pode escolher o seu corrupto preferido para pôr o seu nome verdadeiro no nosso silogismo).

O termo médio, no caso, é “corrupto(s)”, presente no sujeito da premissa geral e no predicado da premissa particular. É o termo médio que permite estabelecer a relação entre os elementos “Fulano” e “eleição”.

A conclusão abre com o termo “logo”, indicando o caminho do “logos”, isto é, da lógica, para situar o caso particular dentro do conjunto mais geral – no caso, concluindo que Fulano, por ser corrupto, não deve ser eleito, logo, não devemos votar nele.

Entretanto, nas nossas redações e nos nossos textos, os silogismos não aparecem tão esquematizadinhos assim. O recurso do “silogismo munido de provas” é mais comum, porque é mais comum combinar indução com dedução.

Esse tipo de silogismo expressa uma ideia apoiada tanto em evidências indutivas quanto em uma estrutura dedutiva adequada. Esse tipo de silogismo sustenta a tese quer indutivamente, pelas evidências concretas, quer dedutivamente, pela organização da hipótese à conclusão.

Como no exemplo a seguir, que enriquece com evidências o silogismo esquemático anterior:

Como sabemos, todos os corruptos não devem ser eleitos, porque quando eleitos eles governam e legislam em causa própria, e não em função do povo que os elege. Ora, Fulano é corrupto, como comprovam os processos em que ele já foi julgado e condenado, tanto no Brasil quanto no exterior. Logo, Fulano não deve ser eleito, para não continuar nos roubando descaradamente.

O outro recurso dedutivo forte é o “dilema”. Em sentido estrito, o dilema nos obriga a escolher entre duas alternativas desagradáveis. Por trabalhar com alternativa, introduz dois outros termos no raciocínio: “se” e “ou”.

O velho problema teológico do mal, por exemplo, pode ser exposto na forma de um dilema:

Há o mal no universo. Isso quer dizer que Deus não pode evitar o mal, ou que Ele não deseja evitar o mal. Ora, Se Deus é incapaz de evitar o mal, Ele não é onipotente, e se Deus não deseja evitar o mal, Ele não é benevolente. Logo, ou Deus não é onipotente, ou Deus não é benevolente.

O argumento é perfeitamente válido, o que não significa que não se possa discuti-lo.

Alguns teólogos rejeitam a afirmação inicial, de que haveria maldade no mundo: tudo que parece mau à nossa percepção limitada faz parte dos desígnios de Deus, insondáveis para os seres humanos.

Outros teólogos veem uma finalidade benevolente de Deus na existência do mal: a de aumentar a virtude dos homens pela resistência às tentações. Sem a existência do mal não faria sentido termos livre arbítrio para escolhermos entre o bem e o mal. Sem a existência do mal e do livre-arbítrio, seríamos tão somente marionetes nas mãos de Deus.

Os ateus, por sua vez, rejeitam a própria existência de um deus, matando o dilema na raiz.

Em cada caso, se faz necessário negar a premissa questionada e refazê-la em outro sentido, para desse modo desmontar o dilema e reconstruir o raciocínio.

A popular “redução ao absurdo” é também um recurso dedutivo forte, quando, para defender determinada tese, admito primeiro a tese oposta, justo para reduzi-la ao absurdo e assim ganhar força para o que quero demonstrar.

São quatro as fases básicas da redução ao absurdo:

- afirmar o absurdo de uma tese;
- admitir, apenas por hipótese, a correção daquela tese;
- deduzir uma ou mais consequências inaceitáveis e ilógicas;
- concluir o que se queria demonstrar.

Vejamos um argumento delicado desenvolvido através de uma boa redução ao absurdo: Quanto ao amor, como defini-lo?

Há séculos, repetimos: ama ao próximo como a ti mesmo. Esta sentença basta para definir o amor? Parece-me que não. Se admitíssemos que sim, teríamos de admitir que as pessoas amam a si mesmas. E que o padrão do amor pelo outro seria o do amor próprio. No entanto, observamos as pessoas insatisfeitas consigo mesmas, com seu corpo, com seu trabalho, com sua vida, sempre com um dos olhos no que podem ter e ser. Ora, então as pessoas não se amam, elas amam o que querem ser. Daí, não teria sentido amarmos ao próximo como a nós mesmos, a não ser que amássemos no próximo também o que ele quer ser, nos pondo como cúmplices dos seus desejos, inclusive para ele se tornar cúmplice dos nossos. Definiríamos o amor, portanto, como uma espécie de cumplicidade – algo bastante diferente da sentença que repetimos mecanicamente há séculos.

Novamente, é apenas um argumento, não uma verdade, muito menos uma ofensa a quem pensa diferente. Como todo argumento, quer indutivo quer dedutivo, pode ser perfeitamente discutido, contestado e superado – com outros argumentos.

Assim como a indução, a dedução tem seus limites. O silogismo não é uma chave mágica que nos leve sempre a conclusões irrefutavelmente verdadeiras. Não basta escrever “todo”, “ora” e “logo” na frente das sentenças para termos um silogismo perfeito e daí um raciocínio perfeito.

Alguns filósofos antigos acreditavam que os silogismos seriam capazes de evitar todas as falsidades. Do mesmo jeito, o aprendiz de redação pode encontrar nestas expressões uma varinha de condão que pareça resolver todas as dificuldades, convencendo todo mundo em todos os momentos.

Todavia, tantas vezes, não resolve e não convence.

A base do método dedutivo é a primeira premissa do silogismo, ou seja, a hipótese. Entretanto, a hipótese não pode ser transformada numa hipertese. A palavra “hipótese” significa “primeira tese”. Ela não é em si já uma verdade ou a verdade, mas sim a suposição do que pode ser a verdade. A hipótese não deixa de ser uma ficção, que elaboramos para podermos pensar.

Só não podemos entender o que poderia ser a verdade como se já fosse a própria verdade final e última. A hipótese é uma suposição inicial e absolutamente provisória, assim como a conclusão derivada do silogismo é uma conclusão igualmente provisória. A nossa conclusão é válida enquanto e somente enquanto não for superada por um argumento melhor.

Em sentido rigoroso, como já demonstraram muitos pensadores, todas as nossas opiniões, hipóteses e teses são ficções. Ficções necessárias, mas ficções e não verdades absolutas.

 

©2008-2024, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Todos os direitos reservados