Inicial » Colunas » Tributo a Beth Murad
A alma desta Revista e do Departamento de Seleção Acadêmica da UERJ se chama Elisabeth Hadad Murad – e esta frase se encontra no presente do indicativo para melhor indicar que Beth Murad, como é mais conhecida, se encontra viva, vivíssima!, na memória de todos aqueles que já trabalharam e conviveram com ela.
Infelizmente, seu coração parou de bater há poucos dias. Entretanto, suas risadas, suas críticas e suas observações “na mosca” continuam soando à nossa volta. Podemos nos lembrar, como se a ouvíssemos agora, de receber uma bronca exagerada por deixarmos a questão sem comando, seguida de um elogio igualmente exagerado, por resolvermos prontamente o problema apontado.
"Coitados!!!!!!!!", escrevia Beth, sempre com muitos pontos de exclamação, quando a questão criasse mais problemas de compreensão e solução do que o necessário para os candidatos. Rapidamente percebíamos que o comentário pletórico não implicava nenhum tipo de "maternalismo" mas sim todo o contrário, apontando antes para os nossos mais ou menos inconscientes abusos de poder.
Para Beth, um instrumento de avaliação não deveria pretender mais do que justamente avaliar aqueles que são examinados. Se este singelo objetivo é atingido, um benefício adicional se consegue: a avaliação se torna igualmente um instrumento privilegiado de aprendizagem, e não apenas para os examinandos: os examinadores aprendem também com as suas próprias questões, como nós sempre aprendemos muito com as nossas provas – claro, depois de destrinchadas e reformuladas pela Beth.
“Professor é quem de repente aprende”, já nos disse Guimarães Rosa, através do professor Riobaldo Tatarana. O professor que aprende com suas aulas e provas não precisa usar umas e outras para impor seu pequeno poder sobre os alunos, ou para impressionar os seus pares com seu alto nível de exigência – na verdade, na maioria das vezes, exigência desmedida e descabida.
As provas em cada disciplina e o exame vestibular em geral não discriminam nada, isto é, não avaliam nada se são apenas ou muito fáceis ou muito difíceis. Toda avaliação deve comportar tanto diversos níveis de dificuldade quanto extremas clareza e economia nos enunciados e nos textos escolhidos. Estas condições formam o que Beth sempre chamou de “prova cidadã”, explicitando a necessidade política de considerar sempre como cidadãos de primeira classe todos os nossos alunos e todos os candidatos a alunos da nossa universidade.
A coordenação, as concepções e as orientações de Beth Murad garantiram a condição de referência nacional à seleção vestibular da UERJ, ainda mais valorizada depois do império do ENEM. Destaca-se com frequência a organização impecável, sem quebras de sigilo ou anulação de questões, mas ainda mais importante é o exemplo público de respeito máximo à avaliação, à aprendizagem e, principalmente, aos candidatos e aos futuros alunos da universidade.
Esta universidade em que estamos pouco se dá conta da importância pedagógica, acadêmica e política do seu exame de seleção. Por isto mesmo, pouco percebe a extensão da perda que todos sofremos. Que este pequeno tributo ajude a nos lembrarmos disso, reconhecendo a importância de Beth Murad, sempre tão discreta, para a constituição da alma da própria UERJ.